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Leonardo Sakamoto

Churrasco forçado: mais de 80 são libertados em carvoarias

Leonardo Sakamoto

30/03/2010 18h11

A produção de carvão vegetal é, certamente, uma das atividades mais insalubres e perigosas a que um ser humano pode se dedicar por conta das altíssimas temperaturas dos fornos que queimam os pedaços de madeira. Ou seja, já é naturalmente penosa quando as condições de trabalho oferecidas estão dentro dos patamares mínimos de dignidade. Imagine, então, o cotidiano de quem é escravizado em uma dessas sucursais no inferno.

A Superintendência Regional do Trabalho de Goiás (SRTE/GO), em parceria com o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Federal, resgatou 81 pessoas de 14 carvoarias em Jussara, Estado de Goiás. As vítimas, boa parte delas aliciadas em Minas Gerais, desmatavam a vegetação, retiravam a lenha e produziam carvão. Essa história foi contada na Repórter Brasil pela jornalista Bianca Pyl, da qual retiro alguns trechos:

– Os alojamentos eram feitos de restos de madeiras e lonas em chão de terra batida ou areia. Alguns eram localizados próximos a lamaçais. Os trabalhadores dormiam em camas improvisadas com tocos de madeira e utilizavam pedaços de espumas velhas e sujas como colchões. Não havia roupas de cama e nem armários individuais para guardar pertences;

– Para tomar banho, os trabalhadores utilizavam copos para jogar água no corpo. Não havia cozinhas. Os alimentos eram preparados dentro dos alojamentos, em fogões improvisados, com risco de incêndios. Não havia instalações sanitárias ou elétricas. Os empregadores não forneciam água potável. Algumas esposas e filhos de carvoeiros também moravam nas mesmas condições;

– Equipamento de Proteção Individual (EPI) era lenda. "A maioria dos carvoeiros trabalhava apenas de bermudas e chinelos, mesmo estando expostos ao calor intenso, à fumaça e à fuligem produzidas pela produção e remoção do carvão", explicou Roberto Mendes, coordenador da ação;

– As vítimas estavam submetidas a uma jornada exaustiva, sem descanso semanal renumerado, trabalhando de segunda a segunda, inclusive aos domingos. Direitos trabalhistas não eram recolhidos;

– E como cereja do bolo, infrações ambientais. Os fiscais verificaram que duas carvoarias funcionavam sem autorização e que nenhuma das mais de dez motosserras tinha licença do órgão ambiental responsável. Houve registro de queimadas irregulares após a derrubada de Cerrado. Durante a operação, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informou a Agência Ambiental de Goiás sobre as irregularidades e solicitou a presença de representantes no local, mas até o fim da fiscalização ninguém do órgão estadual compareceu.

No total, os trabalhadores resgatados receberam mais de R$ 200 mil referentes às verbas rescisórias. Além disso, receberão três parcelas de Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, no valor de um salário mínimo cada. Todas as carvoarias foram interditadas.

E, para registro: 14 carvoarias estavam localizadas nas seguintes propriedades: Fazenda Água Limpa do Araguaia, de propriedade de Antônio Joaquim Duarte; Fazenda Pompéia, que pertence a Jairo Benedito Perillo; Fazenda Nossa Senhora Aparecida, de Labib Adas; Fazenda Chaparral, de Renato Rodrigues da Costa; e Fazenda Santa Rosa do Araguaia, da empresa Oesteval Agropastoril Ltda. As carvoarias funcionavam há cerca de quatro anos. Nesse período, trabalhadores mudavam de uma fazenda para outra.

Em tempo: Dias desses, alguém me perguntou para que se faz tanto carvão no Brasil e se o destino são as churrasqueiras. Bem, carvão vegetal é um dos insumos na fabricação de ferro-gusa, matéria-prima do aço. Aço que é usado para fazer carros com ar condicionado e geladeiras, que fazem nossa vida mais agradável nos dias quentes. Fica, portanto, o nosso muito obrigado às pessoas que acabam torrando feito churrasco em carvoarias fora da lei pelo país afora.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.