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Leonardo Sakamoto

Líder camponês é morto com cinco tiros no Pará. De novo

Leonardo Sakamoto

02/04/2010 12h03

Você não leu errado… Não é notícia repetida… A máquina de moer gente no Pará ataca novamente!

Pedro Alcântara de Souza, um dos líderes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar no Pará, foi assassinado com cinco tiros na cabeça em Redenção, Sul do Estado (67 mil pessoas, 162 mil cabeças de gado, quase 30% de adultos analfabetos, cerca de 40% de pobres). Ex-vereador, ele era um dos marcados para morrer devido à sua militância pelo direito das populações do campo e foi morto quando andava de bicicleta com a esposa no final da tarde de anteontem por dois homens em uma motocicleta. A polícia acredita que pode ter sido executado a mando de fazendeiros da região insatisfeitos.

Perdi as contas de quantos assassinatos iguais a esse na Amazônia noticiei nos últimos anos. E tenho medo de imaginar quantos mais ocorrerão, em vistadas centenas de camponeses, trabalhadores rurais, sindicalistas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas que ainda estão marcados para morrer por lutar por um pedaço de chão.

Já disse aqui mais de uma vez que a Justiça no Pará fracassou há muito tempo. Ou podemos considerar um sucesso um sistema que, há décadas, ignora o direito dos excluídos? Se fosse elencar todos os casos de mortos cujos carrascos nunca foram punidos, teríamos o maior post de todos os tempos. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) contabiliza a morte de mais de 800 pessoas em função de disputas por terra no estado desde 1971. Punição? Nem.

E a História vai se repetindo como tragédia. Na década de 80 e 90, fazendeiros resolveram acabar com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, no Sul do Pará, um dos mais atuantes na região, e assassinaram uma série de lideranças. De acordo com frei Henri des Roziers, advogado da Comissão Pastoral da Terra em Xinguara (PA), foi assassinado o primeiro presidente em 1985. "Depois, foi a vez de um dos líderes em 90 e seus dois filhos, que eram do sindicato. Foi assassinado, em 90, um diretor. E, em 91, mataram seu sucessor dele, além de outros que foram baleados. Passei da região do Bico-do-Papagaio para aqui a fim de ajudar na apuração desses crimes." Os casos foram a julgamentos, houve condenações, mas os pistoleiros fugiram. Henri é ele mesmo um dos mais de 200 marcados para morrer no Pará e vive sob escolta policial 24 horas por dia.

O Massacre de Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará, que matou 19 sem-terra e deixou mais de 60 feridos após uma ação violenta da Polícia Militar para desbloquear a rodovia PA-150, vai completar 14 anos no próximo 17 de abril. A rodovia estava ocupada por uma marcha do MST que se dirigia à Marabá para exigir a desapropriação de uma fazenda, área improdutiva que hoje abriga o assentamento 17 de Abril. Os responsáveis políticos pelo massacre, o governador Almir Gabriel e o secretário de Segurança Pública, Paulo Câmara, não foram nem indiciados. Quantos aos executores, há um longo caminho até que a Justiça seja feita.

Em fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros – um deles na nuca – aos 73 anos. Ela foi alvejada numa estrada vicinal de Anapu (PA). Ligada à Comissão Pastoral da Terra, Dorothy fazia parte da Congregação de Notre Dame de Namur, da Igreja Católica. Naturalizada brasileira, atuava no país desde 1966 e defendia os Programas de Desenvolvimento Sustentável como modelo de reforma agrária na Amazônia. Um dos fazendeiros acusados de ser o mandante chegou a ser julgado e condenado, mas depois foi absolvido em segundo julgamento. Outros estão na fila do tribunal. Ainda.

Frei Henri, 80 anos bem vividos e há quase três décadas morando na região, viu de perto o poder econômico chegar e esmagar a população rural: "Há uma cultura da violência. O problema da posse da terra se tornou mais forte a partir dos anos 70, quando entrou muita gente nesta região pioneira. Daqui [Xinguara] até Conceição do Araguaia era mata virgem, Xinguara nem existia. Entrou gente de todo o tipo, fazendeiros, madeireiros. Entraram também muitos sem-terra da época, posseiros. A terra era de todo mundo. Mas chegaram empresários com incentivos fiscais do governo, que incentivavam a produção agropecuária através de seus bancos de financiamento.

Isso provocou um conflito entre os posseiros legítimos, com mais de um ano de posse, e as empresas recém-chegadas, que queriam pilhar tudo. Com o Estado totalmente ausente, as coisas se solucionavam necessariamente a partir da própria força de arma de cada um. Acompanhamos, por exemplo, toda a apuração, o processo e o julgamento dos assassinos dos sindicalistas da região de Rio Maria nos anos 80 e 90. Vários foram condenados. Todos fugiram".

Na prática, com louváveis exceções como a de juízes com coragem de condenar escravagistas ou de procuradores que não têm dado trégua a quem mata e desmata, a Justiça tem servido para proteger o direito de alguns mais ricos em detrimento dos que nada têm. Mudanças positivas têm acontecido, mas muito pouco diante do notório fracasso até o presente momento. A se confirmar o crime de mando no caso de Pedro, será mais um tento marcado pela barbárie na disputa com a civilização na Amazônia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.