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Leonardo Sakamoto

Por que o Brasil não quer punir torturadores?

Leonardo Sakamoto

07/06/2010 08h29

Pesquisa do Datafolha divulgada hoje no jornal Folha de S. Paulo mostra que 45% da população é contrária à punição de agentes que torturaram presos políticos durante a ditadura militar contra 40% a favor. Outros 4% são indiferentes e 11% não souberam opinar.

Tenho no fundo a esperança de que o assunto deu margem a múltiplas interpretações por parte dos entrevistados. Em outras palavras, espero que o pessoal tenha respondido sem saber exatamente o que foram as torturas durante a ditadura e para que serviram. Caso contrário, mais do que um Brasil sem memória e sem Justiça, temos diante de nós um país conivente com o pau-de-arara como ferramenta de obtenção de informações.

Não estou esquecendo que existe uma Lei da Anistia, que está em vigor, e que o Supremo Tribunal Federal (infelizmente) decidiu por mantê-la. A discussão aqui não é legal, ou seja, não é um debate sobre a mudança da lei e sim sobre a percepção coletiva sobre esses crimes. Posso ser a favor da punição, mas entender que existe uma legislação que a proíbe.

O impacto desse apoio se faz sentir no dia-a-dia dos distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, nos grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). A ponto de ser banalizada em filmes como Tropa de Elite, em que parte de nós torceu para os mocinhos que usavam o mesmo tipo de método dos bandidos no afã de arrancar a "verdade".

A justificativa é a mesma usada nos anos de chumbo brasileiros ou nas prisões no Iraque e em Guantánamo, em Cuba: estamos em guerra. Ninguém explicou, contudo que essa guerra é contra os valores que nos fazem humanos e que, a cada batalha, vamos deixando um pouco para trás.

Não é de estranhar, portanto, que boa parte da sociedade que agora apóia esse esquecimento também tenha se calado diante do processo de defenestração pública de propostas do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), levado a cabo por setores descontentes em universalizar direitos.

Esse é o problema de sermos o país do "deixa disso" ou mesmo do "esquece, não vamos criar caso, o que passou, passou" e ainda do "você vai comprar briga por isso? Ninguém gosta de briguentos". Enquanto não acertarmos as contas com o nosso passado, não teremos capacidade de entender qual foi a herança deixada por ele – na qual estamos afundados até o pescoço e nos define. Foram-se as garrafas, ficaram-se os rótulos. A ditadura se foi, sua influência permanece. Não somos um país que respeita os direitos humanos e não há perspectivas para que isso passe a acontecer pois, acima de tudo, falta apoio da própria população.

A verdade é que não queremos olhar para o retrovisor não por ele mostrar o que está lá atrás, mas por nos revelar qual a nossa cara hoje. E muitos de nós não suportarão isso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.