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Leonardo Sakamoto

Código Florestal: votação, banana e biografia

Leonardo Sakamoto

07/07/2010 12h19

Por 13 votos a 5, a comissão especial criada na Câmara dos Deputados para discutir a reformulação do Código Florestal aprovou o texto do relator Aldo Rebelo (PC do B-SP). Houve algumas mudanças, mas nenhuma delas alterando o teor do texto, que flexibiliza as leis de proteção ambiental e, na prática, anistia quem desmatou ilegalmente até agora.

Por exemplo, o novo texto continua isentando as propriedades de até quatro módulos fiscais (cerca de 400 hectares na Amazônia) de refazerem as reservas desmatadas. Mas obriga a preservação do que não foi desmatado ("Alguém tem uma motosserra aí para a gente terminar de derrubar esse tantinho que ficou de pé antes que a fiscalização venha verificar qualquer coisa?")

Os ruralistas se dizem insatisfeitos porque queriam colocar na mão dos governos estaduais, como proposto na primeira versão do relatório de Aldo, a possibilidade de legislar sobre o tamanho das áreas de preservação permanente ao longo de cursos d'água. Sabem que os Estados são mais suscetíveis a pressões e aceitariam reduzir o que o governo federal não toparia. Mas isso é nuvem de fumaça, chororô político. Quase tudo o que passou vai ao encontro do que queriam. Saber isso é útil a você, ó brasileiro, da cidade grande? Se você usa água no seu dia-a-dia, creio que sim. O recurso é escasso e se rios e córregos não forem devidamente preservados, você pode ter problema para tomar seu banho, lavar sua roupa, irrigar sua plantação, enfim. E isso só para falar de apenas um impacto para a qualidade de vida. Poderíamos passar o dia falando de outros.

Durante a audiência, segundo a Agência Câmara, Aldo Rebelo afirmou que conhece profundamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e que os seus integrantes consideram que o atual Código Florestal inviabiliza seu trabalho. Creio que o contato com os grandes produtores afastou o deputado federal dos sem-terra. Pois, se ele tivesse entrado no site do MST, teria visto a nota divulgada pela secretária nacional do movimento contrária às mudanças. Nela, está escrito:

"Até agora, o setor ruralista age da seguinte forma: ignora as determinações do Código Florestal para derrubar as florestas; quando são pegos com a motosserra na mão, culpam a rigidez da legislação em vigor e, por fim, mobilizam seus parlamentares para derrubar esses "obstáculos". A Via Campesina definiu propostas para um profundo programa ambiental para o campo brasileiro.Antes de qualquer medida, defendemos a manutenção do Código Florestal, que deve ser cumprido de forma a implementar uma agricultura camponesa sustentável."

Isso não parece uma nota de apoio a ele, parece?

Provavelmente o MST não se colocou de forma mais contundente contra Aldo Rebelo em respeito ao PC do B, que tem sido parceiro do movimento. Mas nem por isso deixou de criticar a cruzada de Aldo que, aliás, está criando constrangimentos cada vez maiores a membros de seu partido, não só pela discussão do Código Florestal, mas por outras questões como o direito das populações tradicionais às suas terras.

Uma pessoa no Planalto ouviu, tempos atrás, de Dilma Rousseff que era preciso resgatar Aldo da bancada ruralista. Não sei se isso foi dito apenas para agradar o interlocutor (estamos em campanha, oras!) ou como um desabafo sobre os novos aliados do seu antigo aliado. Também não tenho nada a ver com isso. Mas sugiro que o resgate seja feito de forma rápida. Caso contrário, do jeito em que as coisas andam e as propostas de leis caminham, não haverá muita biografia a salvar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.