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Leonardo Sakamoto

Reforma trabalhista: entre o jogo e a guerra

Leonardo Sakamoto

19/08/2010 18h43

Quando era mais jovem e jogava sempre Banco Imobiliário ou War, decidíamos mudar as regras do tabuleiro para fazer com o que a disputa andasse mais rápido (mais velho, descobri que a maioria dos que brincavam com essas coisas de tabuleiro faziam o mesmo). Depois, a gente cresce e percebe que o mesmo funciona para a vida real. Por exemplo, defenestrar parte da legislação trabalhista, que garante as condições mínimas para a compra da força de trabalho, é uma opção defendida para acelerar o crescimento econômico.

Informatizar, desburocratizar e tornar mais eficiente a aplicação da lei é possível e desejável e certamente irá gerar boa economia de recursos para empresários e de tempo para trabalhadores. Mas o problema é que, por trás do discurso do "vamos simplificar", estamos ouvindo muitos candidatos querer tirar do Estado o papel de juiz nesse processo, deixando os competidores organizarem suas próprias regras. Quando um sindicato é forte, ótimo, a briga será boa e é possível que se obtenha mais direitos do que aquele piso da lei. Mas, e quando não é, faz-se o que? Senta e chora?

Mudar leis trabalhistas é, na prática, um jogo de soma zero. Ou seja, para alguém ganhar, outro precisa perder.
Quando alguém promete uma reforma trabalhista sem tirar direitos dos trabalhadores irá, provavelmente, seguir por uma dessas três opções: a) mudar a CLT e acrescentar direitos aos trabalhadores e tirar dos empresários (há! faz-me-rir); b) desenvolver um novo conceito do que seja um direito trabalhista (situação em que Magritte diria: "isto não é um cachimbo") ou c) vai operar um milagre.

Não que a reforma já não tenha despontado. A batalha pela aprovação da Emenda 3 – que tira poderes dos auditores fiscais de reconhecerem vínculos empregatícios e poderia precarizar as relações do trabalho – fez parte da tentativa de uma reforma trabalhista em curso no Congresso. Aprovada por nossos parlamentares, a Emenda 3 foi vetada pela Presidência da República devido à pressão dos trabalhadores que foram às ruas – mas há outros projetos que tratam desse tema – alguns escabrosos, como um que torna a aplicação da CLT praticamente facultativa. Ou propostas que, para desonerar a iniciativa privada, tornam desnecessário o pagamento de encargos sociais (recursos que são destinados a manutenção de políticas públicas, como salário-desemprego) e encargos trabalhistas, como o décimo-terceiro.

Eu, se fosse vocês, verificaria se o seu candidato a deputado ou senador foi pai ou mãe de alguma proposta que joga com seus direitos de trabalhador. Caso contrário, não reclame se descobrir que votou em alguém cujo objetivo era destruir os direitos trabalhistas, agradar empresários espertos e conquistar um terceiro continente à sua escolha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.