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Leonardo Sakamoto

Parabéns, paulistanos! Hoje o ar de SP está irrespirável

Leonardo Sakamoto

21/08/2010 18h43

Para quem está (por sorte) fora daqui: mentalize um ar muito seco, atacamesco mesmo, somado à poluição gerada por milhões de felizes condutores de automóveis, motocicletas e caminhões que crescem a cada dia a taxas chinesas. Sentiu? Desistiu de vir para cá passar férias? O pior é que quem conta o número de anos perdidos pelos citadinos paulistanos por respirar meleca são considerados entraves ao desenvolvimento. É mais patriótico comemorar os recordes de fabricação de veículos.

Ah, e o dinheiro público que despejamos na indústria automobilistica não nos ajudou a sair da crise econômica? É verdade. Mas a confirmação disso é exatamente a certeza de que sempre optamos pela saída mais fácil, sem pensar nas consequências. Pois, como boa parte do capital não aceita condicionantes, contrapartidas ambientais decentes pelo dinheiro investido só quando um fusca falar.

E se os recursos fossem investidos no transporte público, favorecendo a coletividade e não o individualismo?

Respire fundo… Vocês e seus filhos vão viver menos, mas felizes, porque estarão motorizados.

Ao mesmo tempo, parte do Mato Grosso está coberta por uma nuvem de pó e fuligem. Muita gente aproveita a falta de chuva e desce o fogo na mata. Depois bota a culpa em São Pedro ou em "incêndios criminosos". Ah, sim… Que criminoso bonzinho é esse que limpa a área de um fazendeiro de graça, preparando-a para o plantio?

Saiba que alguns carros que usamos já foi minério de ferro no subsolo do Pará ou de Minas Gerais e árvore da Amazônia, do Cerrado ou do Pantanal – que virou carvão e caiu em um forno de siderúrgica. Carvão que arde, muitas vezes de forma ilegal, dia e noite, contaminando o meio e superexplorando trabalhadores. Com tanto jeitinho, o produto vai ficando mais competitivo e todo mundo sai lucrando. Menos o peão.

Que, no final, fica com uma terra nua e um ar amarelo-acinzentado, enquanto a gente dá tchauzinho de dentro do carro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.