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Leonardo Sakamoto

STJ federaliza caso contra direitos humanos pela primeira vez

Leonardo Sakamoto

27/10/2010 21h56

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu o pedido da Procuradoria-Geral da República e transferiu da Justica Estadual para a Justiça Federal o processo sobre o assassinato do ex-vereador, advogado e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos. É a primeira vez que a federalização de um processo que trata de um crime contra os direitos humanos é aplicada.

Morador de Itambé (PE), Manoel Mattos denunciava a ação de grupos de extermínio na divisa entre os Estados da Paraíba e de Pernambuco. Foi morto a tiros em Pitimbu (PB), no dia 24 de janeiro de 2009, por dois homens encapuzados que invadiram a casa onde estava.

A ministra relatora Laurita Vaz avaliou que, no caso, está provada a 1) ocorrência de grave violação aos direitos humanos; 2) a necessidade de garantia do cumprimento, pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados internacionais sobre o tema; e 3) a incapacidade das autoridades estaduais locais em agirem contra o problema, no caso, o grupo de extermínio que aterroriza a região. E, portanto, o caso é passível de ser federalizado. A relatora afirmou que não se trata de hierarquizar as relações entre entes federais e estaduais mas, pelo, contrário, o deslocamento de competência serviria para preservar as instituições, até mesmo, de condutas irregulares de seus próprios agentes, levando a seu fortalecimento.

Inicialmente o caso seria transferido da Justiça Estadual da Paraíba para a Justiça Federal de Pernambuco, mas acabou ficando no estado de origem.

Este é o segundo caso de Incidente de Deslocamento de Competência, como é conhecida juridicamente o pedido de transferência de um processo de esfera judicial, que chega ao STJ. O primeiro foi o do assassinato da irmã Dorothy Stang, ocorrido em 2005, em Anapu, no Pará. Para Dorothy, o instituto da federalização foi negado.

Comentários: As vítimas e suas famílias não podem esperar indefinidamente por um julgamento isento, com a menor pressão política e econômica possível. Se há casos em que a Justiça Estadual cria uma situação por conta de sua (in)ação ou sua (in)capacidade, que embale feliz as consequências. Ou, mais fundo, se as relações sociais estabelecidas entre alguns juízes e o poder local se tornam tão fortes que fica impossível atuar com isenção, o sistema de Justiça deveria possibilitar, de forma célere, a mudança de esfera para analisar certos casos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.