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Leonardo Sakamoto

Direitos humanos está em pauta. Mas a que custo?

Leonardo Sakamoto

09/11/2010 11h07

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República apresenta hoje ao Conselho Nacional de Educação uma proposta de criação de diretrizes curriculares nacionais para educação em direitos humanos. A escolha do momento é oportuna, considerando a onda de preconceito regional que tomou conta das redes sociais no pós-eleições (e de intolerância religiosa, homofobia e machismo que transbordou durante o segundo turno). Se fossemos sensibilizados/conscientizados/educados, desde cedo, para perceber que todos os seres humanos deveriam nascer iguais em direitos e dignidade, pois compartilham da mesma natureza, talvez 140 toques tivessem sido usados para algo mais nobre.

Como colocar isso em prática? Não sei se a adoção dos direitos humanos como tema transversal nas escolas seria a melhor saída. O modelo espanhol solapou em muitos lugares por aqui por conta dos professores considerarem um conteúdo extra como algo alienígena, ou seja, uma intrusão, mais uma coisa que vão ter que ministrar e para a qual não foram devidamente orientados. Na prática, simplesmente uma idéia bonita que não pega.

Alguns se perguntam se uma lei criando uma disciplina de Direitos Humanos funcionaria nas escolas. Acredito que não. É só ver a história recente. A partir de janeiro do ano que vem, haverá uma aula semanal de música em escolas de todo o país. Só que o Brasil não tem nem arte-educadores em número suficiente para educação artística geral, que dirá com especialização em música para responder à demanda que será criada? Na prática, isso fará com que mais um brasileiro seja movido de sua área pelo diretor que deu um jeito para cumprir a regra. "Classe, hoje ouviremos um CD ótimo que o titio trouxe."

Creio que a melhor forma de introduzir a questão dos direitos humanos em sala de aula seja inserindo o tema nas disciplinas existentes como parte do seu currículo, atualizando os parâmetros curriculares nacionais. Não em todas, é claro, mas naquelas em que for pertinente. Isso pode influenciar e induzir os currículos de municípios e estados que se baseiam bastante nos PCNs.

Mas, para isso, é necessário dar um passo atrás e fazer a ação mais importante: ter professores preparados para trabalhar com o tema dos direitos humanos em sala de aula. E isso só será possível com formação inicial (faculdade) e/ou formação continuada (semanas de formação, extensão, aperfeiçoamento, sobre essa temática). Há, hoje, boas experiências de formação continuada em temas de direitos humanos, do trabalho, passando por gênero ao meio ambiente. Mas é necessário mais. Principalmente nas grades da formação inicial do aluno na faculdade – alguém já viu como são caretas e conservadores os currículos de geografia, por exemplo? Introduzindo o assunto decentemente na vida dos mestres, eles seriam devidamente sensibilizados para o tema. Poderiam criar um vínculo da sua disciplina com a realidade do aluno, não sendo mais matéria inútil e gerando transformação. Formariam pessoas que entenderiam o que significa dignidade, alteridade, tolerância, igualdade, direitos, ou sejam cidadãos. E, como já disse aqui antes, indivíduos contestadores – o que nem sempre é bom para o sistema.

Isso além de tornar o tema leve, interessante e divertido. Bem, com a baixaria que rola solta pela internet sobre o assunto e com o nível de muitos comentários, que beiram ao nazismo, ao menos não dá para reclamar que ele não está em pauta. Mas a que custo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.