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Leonardo Sakamoto

Direitos Humanos: Brasil, EUA, China, quem é pior?

Leonardo Sakamoto

05/12/2010 09h51

Nada impede que o Brasil continue respeitando a soberania e a política interna de determinado país e, ao mesmo tempo, faça o que se espera de um ator relevante internacionalmente quanto aos direitos humanos, manifestando-se quando essa nação violar os princípios mais básicos da dignidade humana. Bem, creio que todos já devem estar cansados de ouvir e ler sobre isso por conta das abstenções do governo brasileiro em condenar a situação em Mianmar e no Irã junto à comissão que trata de temas sociais e humanitários nas Nações Unidas.

Realmente, não há pragmatismo político que justifique posições assim, parceiros são importantes, um assento no Conselho de Segurança é lustroso, mas o respeito aos direitos humanos está acima disso e precisa ser defendido a todo o custo pelo conjunto das nações.

Mas, se por um lado, a comunidade internacional tem o dever de usar tempo e recursos para pressionar por um tratamento justo aos dissidentes em Cuba, também tem que usar a mesma energia para exigir o fim da prisão de Guantánamo ou a retirada imediata dos invasores norte-americanos do Iraque e Afeganistão. Caso contrário, corremos o risco de manter o sistema de nações sob a égide da desigualdade e da injustiça. A frase é bonitinha, mas inócua. EUA não é Cuba, Cuba não tem poder bélico, político, econômico, tecnológico, ou seja, não tem cacete para dar porrada. Então, no final, vira candidata a Eixo do Mal.

Não é porque a civilização ocidental vive sob o liberalismo, mãe dos direitos humanos, que ela não os desrespeita diariamente. Isso não gera um salvo-conduto que impeça Estados Unidos e Europa, por exemplo, de serem criticadas por suas decisões bizarras nessa área. A Folha de S. Paulo de hoje traz uma interessante matéria de Claudia Antunes, com os votos dos países nos temas de direitos humanos na ONU.

Estados Unidos, por exemplo, votou contra uma moção contra racismo, xenofobia e intolerância religiosa; disse não a uma moratória à pena de morte (básico…) e ao apoio ao direito do povo palestino à autodeterminação. Junto com a Europa, foi contrário à condenação ao uso de mercenários (ah, a Blackwater…) Aliás, a Europa se absteve e não votou a favor da moção contra o proconceito citada acima. Vai ver que, com a onda de imigração, querem garantir aos seus cidadãos o direito de sentir de raiva dos africanos, asiáticos e latinos e vieram roubar seus empregos…

A China foi contra uma condenação à Coréia do Norte, Mianmar, Irã e contra a moratória à pena de morte (querem continuar mandando a conta da bala usada na execução para a família do morto). Índia se absteve com a Coréia do Norte e Irã, foi contra a condenação a Mianmar e contra a moratória à pena de morte.
Tirando as duas abstenções já citadas, o Brasil teve um posição pró-ativa em direitos humanos em todas as outras analisadas pela matéria da Folha.

É claro que há muito mais casos de desrespeito à dignidade humana do que os citados por aqui. Mas o padrão é o mesmo, a maior parte dos países decide se defende ou não os direitos humanos de acordo com suas conveniências geopolíticas e econômicas. E a situação piora quando estamos falando de direitos sociais, econômicos e culturais. Esses não são de segunda geração, são de segundo plano mesmo, validados desde que não atrapalhem as ações comerciais.

Nessa área, não há santo. Tenho a impressão que, em se tratando de direitos humanos e grandes potências, se gritar "pega ladrão", não sobra um, meu irmão.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.