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Leonardo Sakamoto

Aliciador usa boleto da Caixa para cobrar por emprego

Leonardo Sakamoto

22/12/2010 17h22

Quando tenho certeza de que já vi de tudo nessa vida…

É comum "gatos", contratadores de mão-de-obra a serviços de terceiros, cobrarem adiantamentos de trabalhadores rurais, endividando-os e aprisionando-os a uma situação de exploração que, muitas vezes, só é quebrada com operações que envolvem força policial. Cansei de folhear os seus famigerados "caderninhos", em que dívidas de transporte, alimentação e hospedagem ou mesmo taxas pelos acesso ao emprego vão sendo anotadas, e usadas como justificativa para ancorar a pessoa ao serviço.

Agora, eis que das obras da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, surge uma novidade: os "gatos", provavelmente como resposta a ações de repressão, estão procurando formas mais sofisticadas de burlar a lei, usando empresas formais e até boleto bancário. É isso mesmo que você leu, o caderninho virou boleto! Uma extensa reportagem de Bianca Pyl, aqui da Repórter Brasil, tratou do assunto, do qual pincei alguns pontos.

Aliás, antes é preciso dizer que seria cômico, se não fosse trágico, que a construção civil que gera milhões de empregos diretos e indiretos continua sendo palco de exploração da dignidade do trabalhador no país. Com PAC, Copa, Olimpíadas, então, ninguém segura. Ainda mais com o presidente reclamando da fiscalização que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar… Afinal, essa gente bronzeada fica mais bonita com os olhos embotados de cimento e lágrima.

Pedro (nome alterado para preservá-lo) ficou sabendo em Santa Helena, interior do Maranhão, que haveria serviço farto no canteiro de obras de Jirau. Porém, para conseguir acesso ao sonhado trabalho teria que pagar uma taxa de R$ 150,00 ao intermediador de mão-de-obra – senão, nada feito. Do outro lado, uma empresa contratada pelo consórcio responsável pela hidrelétrica contratou a mesma empresa para conseguir trabalhadores para a obra, pagando-a e garantindo transporte e alimentação. Ou seja, o "gato" estava ganhando de ambos os lados.

Pedro não tinha dinheiro para pagar a "taxa de acesso à felicidade", mas isso não era problema. Chegando em Rondônia, ele recebeu do irmão da aliciadora Maria Auxiliadora dos Santos Brito ("auxiliadora"… irônico, não?) um boleto bancário da Caixa Econômica Federal no valor de R$ 150,00. O problema é que ele ficou apenas dez dias no emprego e foi mandado embora. Resultado, pagando o boleto, voltaria de mãos abanando.

O papelzinho recebido por Pedro estava em nome de "M A dos Santos Brito e Cia Ltda. ME", de Sonora (MS). O nome fantasia desta é Atual Agenciamento de Empregos, que veicula inclusive anúncio na internet à procura de interessados. Por telefone, Francisco José Cavalcanti, que se apresentou como um dos donos da Atual, confirmou à reportagem que mantém contrato com a Consarg Construtura e Comércio Ltda., empresa com representação em São Paulo (SP), que, por sua vez, presta serviços em diversas obras sob responsabilidade da construtora Camargo Corrêa – que faz parte, juntamente com a francesa GDF Suez e as estatais Eletrosul e Companhia Hidro Elétrica do Sâo Francisco (Chesf), do consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), responsável pela construção da usina hidrelétrica de Jirau. Além da Consarg, Francisco admitiu que recruta pessoal para outras empresas que atuam nas usinas do Rio Madeira e solicitam o envio de trabalhadores.

O aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional é crime previsto no artigo 207 do Código Penal.

Para tentar evitar problemas quanto às promessas de bons salários em trabalhos longínquos, os empregadores devem assinar a Carteira de Trabalho e da Previdência Social dos empregados no local de origem e emitir a Certidão Declatória de Transporte de Trabalhadores junto à unidade do Ministério do Trabalhoe Emprego que atende o local.

De acordo com a reportagem, a assessoria de imprensa do Consórcio Construtor Santo Antônio enviou nota informando que "não faz contratação de profissionais por intermédio de empresas de consultoria ou de agências de emprego e de recrutamento e seleção que cobram honorários de candidatos para participação em processo seletivo". As construtoras, contudo, não responderam questões mais diretas sobre o envolvimento com "empresas" que aliciam mão de obra para as obras. A Repórter Brasil entrou em contato com o escritório da Consarg em São Paulo (SP) e em Porto Velho (RO) e foi informada que um funcionário da unidade de Rondônia, responderia questionamentos relativos ao esquema. Mas não respondeu.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.