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Leonardo Sakamoto

WikiLeaks: por transgênicos, EUA deveriam ir à guerra

Leonardo Sakamoto

05/01/2011 10h42

Sensacional.

Vazado pelo WikiLeaks, publicado pelo The Guardian, trazido pela Folha de S. Paulo desta quarta:

A Embaixada dos Estados Unidos em Paris aconselhou Washington a iniciar uma guerra comercial contra qualquer país da União Europeia que se oponha a safras geneticamente modificadas, de acordo com documentos divulgados pelo WikiLeaks.

No final de 2007, a França tomou medidas para proibir uma variedade de milho transgênico que foi criada pela Monsanto. Em resposta, o embaixador, Craig Stapleton, amigo e antigo sócio do ex-presidente George W. Bush, solicitou que Washington punisse a União Europeia.

"A equipe nacional de Paris recomenda que calibremos uma lista de alvos para retaliação que cause incômodo à União Europeia, já que se trata de um caso de responsabilidade coletiva, mas que também se concentre ao menos em parte nos principais culpados", diz o texto.

"Caminhar na direção da retaliação deixará claro que o caminho atual tem custos reais para os interesses da União Europeia e pode ajudar a reforçar as vozes favoráveis à biotecnologia na União Europeia", afirmou Stapleton no documento. Ele foi sócio de Bush no Texas Rangers, time de beisebol profissional sediado em St. Louis, nos anos 1990.

A discussão sobre organismos geneticamente modificados é ampla, vai dos possíveis efeitos para a saúde dos consumidores, passando pela perda de biodiversidade no meio ambiente até chegar ao monopólio de mercado – uma vez que há modificações desses grãos que não geram descedentes aptos para serem usados em um novo plantio. Ou seja, você fica refém de uma empresa, que também vai vender os agrotóxicos específicos para cada tipo de cultura.

Sem tirar o mérito dos problemas 1 e 2, preocupo-me especialmente com o terceiro. Pois, isso gera dependência entre produtores e grandes empresas. Se alguém tenta fugir ao pagamento dos royalties do uso das sementes, tem que responder na Justiça.

Há aqueles que tentam manter a produção de organismo tradicionais, mas a contaminação em silos ou no transporte têm desanimado mesmo os grandes produtores – vale lembrar que os não-transgênicos atingem preços melhores no mercado internacional.

Um breve comentário: da aprovação da Lei de Biossegurança, em 2005, ao início do ano passado, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) havia liberado quatro variedades de soja, 11 de milho e sete de algodão transgênicos. Nove variedades são da multinacional Monsanto, três da multinacional Bayer, quatro da multinacional Syngenta, duas da multinacional Dow Agroquímica, e uma da multinacional Basf (com parceria da nacional Embrapa). Em 2007, as liberações dos milhos transgênicos Liberty Link, da Bayer, e MON 810, da Monsanto (proibido na França, Áustria, Grécia, Luxemburgo, Hungria, Itália, Polônia e Alemanha), foram questionadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que apontaram erros nos pareceres técnicos que fundamentaram as aprovações. Claro, as liberações não foram revertidas, a despeito do risco que isso pode trazer à biodiversidade nacional. Enquanto isso, o Brasil rendeu à Monsanto, de acordo com a revista Exame, US$ 783,9 milhões em vendas em 2006, US$ 899,2 milhões em 2007 e US$ 954,8 milhões em 2008.

Uma característica da maioria dos conselheiros da CTNBio tem sido um posicionamento abertamente favorável às tecnologias transgênicas. Dados levantados por Verena Glass, da Repórter Brasil, apontam que, entre eles, há os que têm ou tiveram, pessoalmente, alguma relação com as empresas de biotecnologia ou com entidades financiadas pelas principais multinacionais do setor, como o Conselho de Informações sobre Biotecnologia e a Associação Nacional de Biossegurança, entidades de lobby pró-transgênicos que têm entre seus associados Basf, Bayer, Cargill Agrícola, Dow Agrosciences, DuPont do Brasil, Monsanto do Brasil, Pioneer Sementes Ltda, e Syngenta Seeds, entre outros).

Cada país tem direito de fazer a política que achar melhor se acreditar que determinado produto pode acarretar em danos para sua população, meio ambiente ou economia. Se outra nação se sentir prejudicada, há fóruns especiais para isso.

Mas com um negócio desse tamanho, sempre vale a pena ir à guerra. Contra a Europa ou qualquer um.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.