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Leonardo Sakamoto

Para combater a miséria, não é preciso um PAC

Leonardo Sakamoto

07/01/2011 08h12

É bem-vinda toda a ação para combater a miséria no Brasil. Se o programa a ser lançado por Dilma, que foi anunciado, nesta quinta (7), em reunião com 12 de seus ministros, tiver êxito nesse propósito, vai receber todo meu apoio.

Porém é preciso fazer algumas boas ressalvas.

Antes de mais nada, não sei se foi da própria presidenta ou de sua ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, a idéia de apelidar, mesmo que momentaneamente, esse pacote de "PAC". Adoro a ironia como figura de linguagem (no que pese acreditar que, na internet, ela é uma incompreendida), mas o seu uso em instâncias governamentais é um tanto quanto discutível. E soa muito irônico associar o PAC a um processo sólido de redução da pobreza extrema uma vez que o programa tem gerado impactos negativos por onde passa.

No que pese a geração de empregos e o crescimento em infra-estrutura decorrente desse esforço federal, há o chamado "efeito colateral", que tem agravado situações de fragilidade social. Dias atrás trouxe a história de uma hidrelétrica, obra relacionada no PAC, que foi flagrada com trabalhadores escravizados em seu canteiro de obras – a ponto de seus responsáveis terem sido incluídos na "lista suja" da escravidão. Assim como ela, podemos relacionar a expulsão de comunidades ribeirinhas e indígenas decorrente da implantação de grandes obras de infra-estrutura ou mesmo a remoção forçada e não devidamente compensada de famílias de trabalhadores rurais, o risco de contaminação ambiental decorrente do erguimento de fábricas e estaleiros, entre tantas outras coisas que são cotidianamente discutidas aqui neste espaço e que perfazem um rosário de problemas.

(Vale ressaltar que não estou fazendo uma crítica ao PAC – ao primeiro – no atacado. Além das grandes obras de infra-estrutura e de seus problemas, o programa inclui obras sociais, como urbanização de favelas, saneamento, eletrificação rural, entre outras ações importantes. Além disso, tem suas qualidades como instrumento de gestão. Antes cada ministério ou estatal tocava suas obras com certa independência. Agora as obras precisam estar de acordo com metas específicas unificadas.)

O que coloca um ponto essencial nesse debate: miséria ou pobreza extrema, para tratar de uma expressão mais utilizada tecnicamente, não é apenas uma questão de dinheiro.

A ausência de instituições e políticas públicas que possam garantir qualidade de vida para a população aumenta sua dependência do fator da renda. Como o Estado não atua na efetivação de determinados direitos, tudo tem que ser adquirido, comprado, monetarizando o que, de acordo com a Constituição brasileira, deveria ser fornecido gratuitamente a todos os cidadãos. Quando se debate publicamente a pobreza no Brasil, a discussão fica contida em quanto dindim devemos repassar adiante ou quanto de massa salarial temos que gerar, mantendo a ausência de elementos que garantiriam qualidade de vida mínima muitas vezes fora da pauta. Garantir oportunidades, como diria Amartya Sen.

Dessa forma, educação (que liberte e não gere robôs), saúde (de qualidade), cultura (e a valorização das realidades locais em detrimento à homogeneização televisiva nacional), habitação (decente e não de cubículos que se desmontam), saneamento (básico), se universalizados com qualidade, trariam um impacto real na vida da população. Entendo que um programa como o que está sendo proposto busca avançar mais rapidamente no alívio do sofrimento da miséria enquanto desenvolve-se as outras áreas. Mas o país já está um pouco cansado de soluções B, quando sabemos que a A está aí, na nossa frente. Enfim, como brasileiros, gostamos de um caminho mais longo. O que explica o corte no orçamento federal da educação e da saúde para este ano, por exemplo.

Foi citado no lançamento da idéia desse novo programa, que ele englobaria ações referentes à inclusão produtiva e ampliação dos serviços sociais e da rede de benefícios. Espero que, para além do fomento ao empreendedorismo urbano de pequenos negócios, ele também contemple uma reforma agrária decente (com incentivos para produzir e escoar) – sob o risco de passar para a história como inoperante no universo rural.

Por fim, que tal incluirmos um quatro item, usando a linguagem própria desses planos: "Ação integrada do Estado para impedir que atores públicos e atores econômicos privados reduzam a efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais mais básicos das populações em situação de fragilidade social".

Traduzindo: boa parte dessa miséria toda tem relação histórica direta ou indireta com ações de empresas e do próprio governo, do federal ao municipal. (Vivemos no capitalismo, não? E apesar das velhas carpideiras do mercado rezarem o contrário, ele tem defeitos…) Portanto, o Estado faria um favor se impedisse que esses impactos negativos – sociais, ambientais, trabalhistas, econômicos – seguissem se reproduzindo por aí. Tanto por evitar novos empreendimentos com custo/benefício social ruim, quanto por fiscalizar os já existentes e fechá-los ou adaptá-los se necessário fosse. De verdade, não na forma que é feito hoje. Seria mais rápido e mais barato.

Mas aí, creio eu, o governo, qualquer governo, implodiria em uma semana.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.