Chove acima da média. Mas que média é essa?
Prestem atenção nessas duas frases que aparecem com frequência na mídia:
– Especialistas afirmam que, nas duas primeiras semanas de janeiro, já choveu mais do que a média do mês nos últimos anos.
– Aqui, no Carnaval de Olinda, a festa não tem hora para acabar.
O que há de comum entre elas? Bem, não muito além do fato de que são figurinhas que se repetem com impressionante regularidade. Para o repórter que transmite a folia pernambucana, a frase, quase um mantra da alegria, é indolor. Já a outra carrega, em seu bojo, duas tristezas: a consequência do aguaceiro em si e a responsabilização da natureza por algo que a ação humana poderia certamente minimizar. Se choveu mais do que deveria, fica a impressão de que não daria para fazer nada, não é? Bem, isso se, há muitos anos, já não fosse típico a realidade de chuvas atípicas em certas regiões do país.
Uma ironia que circula em redações nesses dias aquáticos é que, se todo o ano chove mais do que a média, alguém esqueceu de corrigir a média.
Sei que os cálculos não são tão simples e levam em conta séries históricas mais longas do que o nosso humor cínico de jornalista pode compreender. Além disso, são muitos os agentes públicos e da própria imprensa que reproduzem o discurso de sempre e esquecem de questionar a estrutura da informação (graças a São José, pipocam matérias aqui e ali jogando um balde água fria nessa pasmaceira e mostrando que chove mais do que a média já faz algum tempo). De qualquer forma, isso tem o mérito de gerar alguns debates, por exemplo sobre como a avaliação da realidade e a construção de saídas para resolver o problema vêm sendo tomadas. E, repito o que já falei antes, não estou falando de sistemas de alertas (até porque o governo federal já avisou que vai levar anos para fazer algo que já deveria ter feito há outros anos) e sim de políticas de habitação decente, saneamento, dragagem de rios, limpeza de vias, campanhas de conscientização quanto ao lixo…
Pois da mesma forma que, religiosamente, o bloco do Bacalhau do Batata vai percorrer Olinda na Quarta-Feira de Cinzas tocando frevo, janeiro será um mês de atenção e preocupação. Entre um governante otimista e um pessimista, fico com um realista – que tem o perfil mais próximo daquele que espera sempre o pior.
Falhas neste caso custam vidas e um "foi mal, aí, não tinha como antecipar" não resolve.
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