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Leonardo Sakamoto

A dura vida das jornalistas brasileiras

Leonardo Sakamoto

07/03/2011 11h05

Coisa que vale a pena refletir neste 8 de março.

Gostaria de retomar um tema que já trouxe aqui. Há muitas bizarrices cravadas em nossa formação e até os que têm consciência disso cometem barbaridades. Quando páro para pensar no pacote de besteiras e pequenos crimes contra a igualdade de direitos que cometemos, dá até vergonha de sair da cama (ou, pior, de reencontrar algumas pessoas contra as quais perpetramos esses delitos de gênero). O que me lembra uma antiga militante pelos direitos das mulheres que dizia que todo o homem é inimigo até que tenha sido tenazmente educado para o contrário. Nesse sentido, a formação educacional e social de nós, jornalistas, continua pré-histórica, representando um ótimo retrato do restante de nossa sociedade.

Apesar delas serem a imensa maioria nas redações, são minoria nos cargos de alto comando. Raras são as empresas pelas quais já passaram mulheres pela direção. E as aquelas que lá chegam, têm que aguentar piadas e desconfianças. Podem não admitir em público, mas são muitas as histórias de frases como "liga não, é TPM daquela jornalista louca" ditas por fontes para justificar a publicação de determinada denúncia. Isso para ficar em formas leves de truculência.

Há poucas dentre as equipes que escrevem os editoriais – sabe como é, opinião é coisa séria, não dá para deixar na mãos das mulheres. Na média, também recebem salários menores que os nossos. Se forem negras então, afe! Na universidade pública, estudei com apenas uma negra, uma das mais competentes jornalistas que conheci. Mas só uma, dentre 25 pessoas.

(No ano passado, a Organização Internacional do Trabalho lançou um estudo que mostrava como as mulheres tinham rendimentos mais baixos que os dos homens, apesar de, na média, terem maior escolaridade. Não tenho os dados sobre jornalistas, mas sim dos advogados – que dividirão conosco os melhores lugares no inferno no dia do Juízo Final: para advogados brancos, o salário médio de admissão havia sido de cerca de R$ 3 mil. No caso das advogadas negras, R$ 1,48 mil. Tem gente que ainda acha que isso é mentira – e depois manda a esposa esquentar o jantar e trazer o uísque.)

As editoras têm que trabalhar mais para mostrar serviço, uma vez que são testadas o todo o tempo. Isso sem contar o estresse da pressão sobre a gravidez para não perder o que já foi conquistado devido ao afastamento.

Cansei de contar as vezes que ouvi de amigas histórias de chefes que as assediaram abertamente no final de fechamentos. Para muitas, ser bonita é um presente ruim. De um lado, seu superior vai te fazer convites idiotas que podem "ser úteis para a sua carreira no futuro". Do outro, os homens da redação, entrincheirados no fundo de sua mediocridade, podem achar que sua promoção ocorreu pelo fato de ter dormido com o chefe e não pela qualidade do seu trabalho. Isso acontece em qualquer profissão, é claro, mas nesta a hipocrisia faz com que as tintas pareçam mais carregadas. Critica-se a sociedade pelas atitudes cometidas dentro de casa.

Lembrando que isso se aplica a todos – da imprensa mais progressista à mais conservadora. Pois idiotice não é monopólio ideológico de determinado grupo, bem pelo contrário, está espalhada, solta por aí.

Como disse antes, gostaria de poder afirmar que tudo isso vai mudar e rápido. Desculpe se me repeti quanto ao que já havia discutido aqui antes. Mas jornalistas acham que são iluminados pela razão. O jeito que tratamos nossas companheiras de trabalho – conscientemente ou não – mostra que, apesar do acesso à informação, vamos na mesma lenta toada da sociedade como um todo, engatinhando para sair da idade das trevas do preconceito. Afinal de contas, não é informação que leva à mudança e sim como a compreendemos e nos apropriamos dela em nossas vidas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.