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Leonardo Sakamoto

Obama, meio ambiente e a guerra de discursos

Leonardo Sakamoto

19/03/2011 07h07

Por conta da visita do presidente norte-americano ao Brasil, ouvi algumas análises de "especialistas" (ah, como adoro os "especialistas"…) a respeito do desejo "yankee" de internacionalizar o território amazônico, tornando possível a exploração de seus recursos naturais por nações desenvolvidas. Discursos assim, em momentos de visita de chefe de Estado estrangeiro, ainda mais quando estamos falando do Grande Irmão do Norte, é um prato cheio para reforçar alguns instrumentos de controle ideológico, reacender patologias como o patriotismo ou, mesmo, legitimar grupos no poder.

Se a questão da iminente invasão estrangeira aparece quando chega visita na porta de casa, diariamente ouvimos alguém, seja político, militar ou empresário, reclamando de entidades da sociedade civil e movimentos sociais, alertando para o risco deles tramarem a internacionalização da região. Não boto minha mão no fogo por ninguém, pois há muita entidade picareta por aí que venderia a mãe sem discutir o preço e que, claramente, atua pela degradação de trabalhadores e do meio ambiente no país. Mas há também muita gente fazendo coisas boas, que contribuíram mais do que uma penca de governos.

Contudo, o que me assusta é a cara de pau dos "especialistas", pois ninguém diz um "opa" sobre as dezenas de empresas estrangeiras que estão por lá, parte delas degradando a gente e o meio, e que internacionalizaram a Amazônia há tempos – com a ajuda dos governos de plantão. Ou aquelas que não estão lá fisicamente, mas que através de sua ação demandam o esgotamentos dos recursos naturais e dos trabalhadores. Boa parte da soja, da carne e do minério da região vai para fora, commodities que são produzidas para responder à demanda mundial.

Ou seja, tramar o quê se a Amazônia já foi internacionalizada há tempos e sua economia fortemente integrada ao resto do planeta através de redes de produção globais?

Há gente séria trabalhando por lá, de maneira equilibrada, mas também processos internacionais que funcionam como nuvens de gafanhotos, comendo o que há pela frente, madeira, terra, água, minério, burlando leis ambientais e desobedecendo as trabalhistas. Alguém reclama disso? Nada, imagina! É o progresso, finalidade da História, discurso impregnado entre formadores de opinião, mídia, parte da sociedade civil, que faz esquecer o que significa a expressão "dois pesos, duas medidas".

Ao mesmo tempo, políticos da região da Amazônia Legal, diante das críticas feitas às mudanças propostas ao Código Florestal (que, se aprovadas, reduzirão drasticamente a segurança ambiental no país), elevam o tom e fazem biquinho. Traduzindo suas declarações: o país tem agora a liberdade de escolher entre seguir as regras ambientais, e passar fome, ou desmatar – e garantir soberania alimentar. Que liberdade é essa em que apenas duas opções são colocadas à mesa? Limitar as alternativas a essas convém a parte a sociedade que lucra fácil com a expansão agropecuária e extrativista.

Como já discutimos aqui anteriormente, que tal uma terceira alternativa? Uma que inclua um zoneamento econômico da região, dizendo o que pode e o que não pode ser produzido, uma regularização fundiária geral, confiscando as terras irregulares, a realização de uma reforma agrária e a garantia que os recursos emprestados pelos governos às pequenas propriedades – as verdadeiras responsáveis por garantir o alimento na mesa dos brasileiros – sejam, pelo menos, da mesma monta que os das grandes. Preservar os direitos das populações tradicionais, cujas áreas possuem as mais altas taxas de conservação do país. Manter o exército na caserna e longe da política, como deveria ter acontecido na transição da ditadura para a república. Enfim, mudar o modelo de desenvolvimento, o que inclui alterar o padrão de consumo, uma vez que nós do Sul Maravilha comemos e bebemos a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e a Caatinga arrotando alegria.

É a guerra de discursos. Que sempre precede batalhas que se avizinham no horizonte do Congresso Nacional.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.