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Leonardo Sakamoto

Você é um Maníaco da Censura?

Leonardo Sakamoto

30/03/2011 18h04

O grande Maurício Stycer publicou uma série de posts descrevendo personagens típicos da internet. Recomendo não apenas esses textos mas, como sempre, seu blog inteiro.

A minha intenção foi diferente. Por conta dos últimos textos que escrevi, queria discorrer sobre um comportamento recorrente quando o assunto é polêmico. Senhoras e senhores, eis o Maníaco da Censura.

O Maníaco é um leitor que se enxerga como vítima de um complô universal, pois acredita que escreveu um comentário revolucionário e que – céus! – foi limado pelo cretino do blogueiro.

Normalmente, o Maníaco é defenestrado do convívio de seus pares por cometer um ou outro crime de ódio, rasgar as mais básicas regras de convivência social na internet ou utilizar o espaço para atacar indiscriminadamente outras pessoas. Só que, no calor da batalha travada diante de sua trincheira pessoal, o teclado, ele não vê as coisas dessa forma. Ignora que plantou abobrinhas digitais e acha que foi bloqueado por outra coisa. Sente-se um perseguido, vítima de preconceito, um mártir dos tempos modernos.

Em outras palavras, é igual ao sujeito que bebe horrores e enche o bucho no casamento da prima e, ao final, acha que foi o adoçante do cafezinho que desandou o caldo.

O Maníaco não tem visão de conjunto, não relativiza, ele é absoluto. Nunca pára, respira duas vezes e revisa o que escreveu antes de postar. Acha que é racional mas, no fundo, é um sentimental – escreve com o fígado na ponta dos dedos. Existe por si e para si. Na maioria das vezes, nem usa apelido falso, porque quer receber a glória pelo comentário.

Se tem um comentário deletado, o Maníaco da Censura volta. E volta. E volta, dizendo a todos os outros comentaristas que foi vítima de…censura. Por vezes, se compara aos jornalistas que colocavam receitas de bolo no lugar de matérias derrubadas durante a ditadura ou – blasfêmia – se compara a Chico Buarque. Diz que vai para um autoexílio digital, para longe do blog, porque aqui cresce a ignorância. Ama falar sobre o ato de "censurar" mais do que o de comer, beber, dormir, transar – e todos os outros verbos que gostamos de conjugar.

Trouxe aqui quatro exemplos, baseados em fatos reais:

Estudo de caso 1: O Descarado

Sakamoto, se esses sujeitos tivessem apanhado quando criança, não teriam virado viado. Tem que bater mesmo! Se eu encontrar um desses viados na rua beijando na frente do meu filho pequeno, eu parto pra ignorância. Não podemos deixar isso acontecer.

Esse é fácil. É só deletar e ponto. E, é claro, eventualmente encaminhar para o Ministério Público Federal para as devidas providências. O filtro do WordPress costuma pegar esses com facilidade.

Estudo de caso 2: O Seletivo

Esse pessoal Petralha/Tucano realmente não tem a mínima decência, são corruptos, todos querem tirar o seu. E vocês, jornalistazinhos de merda, são, na verdade, pagos mensalmente por essa cambada para encobrir todos os podres, nada do que publicam é verdade. Tinha que pegar esse políticos e dar um tiro neles.

Como viram, o problema não é o começo. Críticas são válidas e teorias conspiratórias podem ser engraçadinhas, boa parte delas não causam dano algum. Mas o comentário tem que ser limado por conta da segunda parte, em que sugere liquidar outra pessoa. O pior é que pessoa ainda tem a pachorra de entrar no blog novamente para dizer "Sakamoto me censurou porque eu falei mal do PT/PSDB! Ele recebe dinheiro dos caras mesmo!"

Estudo de caso 3: O Vidente

Sakamoto, seu comunista filho de uma puta! [seguem-se seis expressões de baixo calão bastante criativas] e enfia todos esses ambientalistas nesses lugares com você. Quero ver se você vai ter coragem de me censurar por conta das verdades que eu disse.

Tive. Haha.

Estudo de caso 4: O Selvagem Incompreendido

Não tenho preconceito contra homossexuais, como seu pai, nem contra prostitutas, como sua mãe, muito menos um bosta que saiu $#$%^ como você. Existem muitos hackers que rastreiam o ID do seu PC, mesmo você usando uma Lan House. Dois toques e você amanhece com a boca cheia de formiga.

E quando alguém que distribui socos e pontapés acha que foi ele o surrado e exige retratação? Complexo de vítima aliado à Síndrome de Drácula: não consegue se ver no espelho, nunca. Em muitos casos, envolve adolescentes (de todas as idades), entediados atrás do sigilo de um monitor. Quando são limados, gritam muito que foram censurados, distorcendo sem elegância o sentido da palavra.

Enfim, a lista tem quase cinco anos de duração – a idade deste blog. Aproveitei que os últimos posts geraram discussões mais acaloradas, transbordando o copo de cólera de muitos Maníacos da Censura (risos), e trouxe o tema à baila. É difícil acreditar, mas tenho que deletar até 15% dos comentários. Se não fizesse nada e deixasse-os ao relento, certamente seria processado por insanidade junto com eles.

O que será que pensam pessoas que realmente sofrem ou sofreram censura quando lêem coisas como essas? Paúra?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.