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Leonardo Sakamoto

Campinas irá embargar obras que ignorarem regras trabalhistas

Leonardo Sakamoto

19/05/2011 10h48

Quem não cumprir normas trabalhistas que garantam os direitos dos operários nos canteiros de obra da construção civil poderá ter o empreendimento embargado diretamente pela Prefeitura de Campinas, interior de São Paulo. É o que diz um Termo de Cooperação assinado entre a administração municipal, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego, apresentado na última terça a empresas do setor. A nova regra faz parte do pacote de ações que vem sendo tomado após as seis ocorrências de trabalho escravo na região, que levaram à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) municipal.

Ou seja, quem pisar nos trabalhadores para acelerar (e baratear) o seu negócio, será posto de castigo.

Trago parte da apuração de Maurício Hashizume, da Repórter Brasil, sobre o tema – ele estava no evento. Para a concessão do alvará de execução, a prefeitura passará a exigir que os responsáveis técnicos das obras assumam o compromisso de cumprimento de regras de meio ambiente de trabalho. Para auxiliar os empregadores, a Procuradoria Regional do Trabalho da 15a Região disponibilizou em seu site um checklist dos itens que precisam ser conferidos.

O embargo às construções será realizado de maneira imediata, por via administrativa, sem trâmites burocráticos. Nos processos licitatórios de edificações que envolvem o governo municipal, será cobrada da empresa vencedora, quando da sua contratação, a identificação do local dos alojamentos.

Das 110 empresas da área de construção civil que foram chamadas para a audiência pública em que as medidas foram divulgadas, 94 estiveram presentes. O evento contou com a presença do prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), que lembrou que Campinas assistiu a um incremento do setor da construção civil de 1.200% (de 1,5 mil para mais de 19 mil empreendimentos) entre 2007 e 2011. "Temos que atuar no sentido do estabelecimento do trabalho decente. E os empregadores têm de conviver com os princípios da lei", afirmou.

Só do "Minha Casa, Minha Vida", o município já recebeu cerca de R$ 800 milhões.

O Termo de Cooperação também prevê a intensificação das fiscalizações e ao lançamento de campanhas e discussões voltadas à sensibilização, conscientização e formação acerca do problema. Imagens e relatos que traçaram um panorama das graves situações encontradas foram exibidas, durante o evento. Por exemplo, João Batista Amâncio, da Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Campinas (SP), mostrou cópia do cartão de ponto de um operador de guincho que trabalha cerca de 14 horas díárias, de domingo a domingo, sem descanso semanal remunerado.

A qualificação do processo produtivo mereceu considerações do procurador Áureo Makiyama Lopes, do Ministério Público Federal de São Paulo. Obtido pela exploração ilegal de mão de obra, o lucro, ressaltou ele, torna-se ilícito. Para ele, a responsabilidade de construtoras e incorporadoras não deve se restringir à promoção e à venda dos imóveis. A construção propriamente dita não pode ser transferida para as terceirizadas, continuou o procurador, para quem a prevenção e a punição a práticas degradantes precisam caminhar juntas, lado a lado.

A ameaça de punição com o embargo das obras, na visão de Luiz Cláudio Amoroso, diretor da regional de Campinas do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon), não resolve. Ele reforça que a entidade condena os quadros desumanos encontrados – até por se tratar de uma forma de "concorrência desleal". O dirigente patronal sugere, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais aos que cumprem plenamente as normas trabalhistas. Grande parte do problema, na visão de Luiz Cláudio, está na alta informalidade (em obras menores, de forma particular) e na falta de qualificação dos trabalhadores.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.