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Leonardo Sakamoto

Quando o preço sobe, a Amazônia despenca

Leonardo Sakamoto

25/06/2011 15h49

Sempre vi com ceticismo as declarações de que a diminuição da taxa de desmatamento anual da Amazônia representa um processo consistente. Até porque nenhuma das políticas implantadas até agora teve, a meu ver, força suficiente para fazer com que a floresta não virasse pasto, lavoura e carvoaria. Ou melhor dizendo, nenhuma das ações de Estado tocou na questão principal, que é o modelo de desenvolvimento (em linhas gerais, concentrador, excludente, violento). Bem pelo contrário, o Congresso Nacional com o apoio de setores do Poder Executivo, tem avançado a passos rápidos no sentido de retirar a proteção já existente para favorecer a produção irresponsável.

A ação de curto prazo com maior potencial de êxito seria travar os negócios não apenas dos proprietários rurais envolvidos nesses crimes ambientais, mas também das empresas presentes nas cadeias de escoamento e comercialização, causando um espetacular prejuízo financeiro. Infelizmente, apesar de avanços por parte de acordos entre a sociedade civil e o setor empresarial, esses processos ainda engatinham – em maior ou menor grau. E um boicote imposto por lei a toda a cadeia problemática, com instrumentos eficazes de rastreabilidade, ainda é sonho.

Nesta semana, reportagem de Claudio Angelo, na Folha de S. Paulo, mostrou que um relatório da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) apontou que o desmatamento para plantio de soja na Amazônia cresceu 85% neste ano com relação a 2010. Ou seja, no período 2010/2011, a área desmatada para soja foi de 11.653 hectares entre 375 mil ha monitorados em 53 municípios enqainto que, no período 2009/2010, o dano foi de 6.295 ha em uma área monitorada 24% menor.

Vale ressaltar que cidades campeãs de desmatamento no Mato Grosso são também grandes produtoras de soja, como Feliz Natal.

Há vários processos sobre critérios de sustentabilidade mirando o grão. Mas apesar dos esforços de espaços como as Mesas Redondas da Soja e do Biocombustível Sustentáveis, e da Moratória da Soja (acordo firmado entre sociedade civil e traders para parar a compra de áreas desmatadas), parte do setor empresarial tem se afastado de algumas discussões. A Abiove se distanciou da Iniciativa Brasieira para criação de sistema de verificação agropecuário, assim como a Aprosoja, representante dos produtores do Mato Grosso, saiu da Mesa Redonda da Soja. Ao mesmo tempo, na Amazônia, apesar dos esforços das empresas ligadas à Moratória, foi detectado no ano passado a produção de soja em áreas de desmatamento recente – o que veio a se confirmar neste ano.

A soja é exportada em grão ou esmagada por aqui, extraindo-se óleo e farelo – que, por sua vez, vira ração. É raro ver um alimento industrializado que não leve soja em sua composição. E não é apenas comida. Cada litro de diesel vendido nos postos contém 5% de biodiesel. E de todo o volume de biodiesel produzido no país, cerca de 80% são extraídos a partir da soja (só por curiosidade, o segundo lugar fica com a gordura animal).

Espero que esse alerta do desmatamento da soja contribua com a análise do novo Código Florestal e a (in)consequente anistia aos desmatadores que está sendo realizada agora pelo Senado Federal. Ou afaste de vez idéias malucas como a retirada de estados como o Tocantins da Amazônia Legal (o que diminuiria a área de reserva de fazendas, hoje em 80% na região, para alegria de alguns sojicultores).

Há alguns anos, venho escrevendo que, no que pese os seus louváveis esforços, o Ministério do Meio Ambiente tem menos controle sobre o desmatamento na região amazônica do que a Chicago Board of Trade, nos Estados Unidos, onde se define o preço mundial da soja. O grão passou um longo período com preço baixo no mercado internacional, o que freou sua expansão sobre a Amazônia e o Cerrado. Agora está nas alturas ("Nunca este tão alto nos últimos 70 anos" , como bem afirmou à Folha o ex-governador e senador Blairo Maggi).

Como não valia a pena economicamente, o agronegócio não se expandiu sobre novas áreas. Agora, que o preço atingiu alegres patamares, ouve-se o ronco das motosserras. Em 2006, quando falei sobre isso, me chamaram de "arauto do pessimismo". Hoje, posso dizer com a tranquilidade dos arrogantes: eu disse.

Noves fora, o fato do Brasil ter virado o açougue do mundo. Por um lado, isso significa mais dinheiro entrando. Por outro, mais desmatamento (a Amazônia está virando o pasto do país) e mais trabalho escravo (mais de 60% dos casos desse tipo de exploração são de pecuária bovina, considerando a "lista suja" do trabalho escravo do governo federal).

E não é só na Amazônia. Por exemplo, na Bahia, dos dez municípios que mais plantam soja, seis foram os campeões de desmatamento do Cerrado entre 2002 e 2008. Isso sem contar os casos de trabalho escravo que, apesar de ações de empresas do setor, insistem em aparecer.

Ao mesmo tempo, a demanda por etanol está levando a uma busca incessante por terras em locais de agricultura consolidada para plantar cana, expulsando outras culturas em direção à fronteira agrícola. Em Goiás, é visível a briga entre cana e soja. Nessa disputa, quem sai perdendo é o meio ambiente e as populações tradicionais.

Carne, soja, cana brigando por espaço. Com o preço da terra subindo, fica cada vez mais atraente desmatar ilegalmente. Um fator que ajudar a "convencer" empresas e fazendeiros a atuarem dentro da lei (evitando desmatamento, exploração do trabalho, grilagem de terras) é a pressão da sociedade e do Estado. Quando isso acontece, fica caro sair da linha (por boicote, multas, dano à imagem institucional). Mas quando os preços estão indo de vento em popa, vale a pena rasgar as regras, mesmo com o passivo, pois ele não inviabiliza a produção e o comércio. No saldo, a balança ainda é lucrativa.

Com a especulação imobiliária, torna-se vantajoso ir em busca de áreas nativas, desmatar e implantar uma fazenda. Por fim, é mais barato pegar os solos ricos recém-deflorestados do que ter que recuperar uma área abandonada.

Nessa perspectiva, o combate ao desmatamento é uma luta inglória. É difícil lutar contra um inimigo que tem aliados dentro da própria casa. Afinal de contas, o governo federal é um dos maiores incentivadores dessa política de expansão, incensando o etanol e apoiando com subsídios aqueles que agem como vetores de desmatamento. Na esperança de que, lá na frente, isso tudo gere caixa para pagamento da dívida.

Morde e assopra, por assim dizer. Mas cada dentada vai fundo na qualidade de vida de quem mora nessas regiões e delas depende.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.