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Leonardo Sakamoto

É necessário comemorar um Dia do Homem?

Leonardo Sakamoto

14/07/2011 11h46

Recebi ontem um educado pedido de um dos meus leitores ("Aê, seu panaca comunista, quero ver se tem coragem de…") para que escrevesse algo sobre o Dia do Homem no Brasil, comemorado neste 15 de julho.

Antes de mais nada, devo confessar que não fazia a mínima idéia da existência de tal data. Até porque, como todos sabemos, hoje também é o aniversário da primeira conquista de Jerusalém pelos cruzados, da adoção da Marseillaise como hino francês, da criação da primeira unidade do Alcoólicos Anônimos e, é claro, da fundação do glorioso Uberaba Sport Club.

E de início estranhei, acostumado à importância histórica do 8 de março, dia simbólico de resistência feminina contra os nossos desmandos (e dia de despejar comerciais de TV para comprar cosméticos e afins). Celebrar um dia de orgulho gay faz sentido, de orgulho hétero não muito (com exceção do que pensam fanáticos religiosos e desocupados em geral), pois o segundo grupo – detentor do poder – não sofre a opressão que o sofre primeiro no momento de se afirmar como possuidor de direitos. Pelo contrário, a opressão parte dele. O homem precisa de uma data sendo que já puxou para si todo o calendário?

Uma das principais justificativas para o Dia do Homem (que internacionalmente é celebrado em 19 de novembro) é boa, contudo: alertar para os riscos à nossa saúde. Lembremos que o sentimento de invencibilidade masculino encurta a vida ("Eu sou fodão! Nada me atinge!") e o orgulho de macho besta ("Prefiro morrer do que deixar alguém enfiar o dedo onde não é bem-vindo!") leva mais cedo à sepultura. Então, campanhas nesse sentido nunca são demais e, por esse viés, a data faz sentido.

Mas também há um componente deste dia que diz respeito a promover uma relação justa entre gêneros. Dessa forma, a data torna-se momento de reflexão sobre o que temos feito para encurtar as distâncias entre os direitos das mulheres no papel e o que elas conseguem realmente conquistar na prática após transpor as barreiras impostas por nós.

Da adoção do nome de família do companheiro (escrevi um texto sobre isso nesta semana e choveram mensagens de gente que passou pelo constrangimento de mudar seus nomes para não gerar um crise), passando por não sofrer violência sexual num vagão de trem, vestir-se como quiser sem ser chamada de vadia, ganhar a mesma remuneração que o homem ao exercer função equivalente até ter autonomia para decidir o que fazer com seu próprio corpo.

Muitas mulheres são vítimas de violência doméstica, enfrentam jornadas triplas (trabalhadora, mãe e esposa), não têm a mesma liberdade que os meninos quando pequenas – que dirá conduzir livremente sua vida, pressionadas não só por pais e companheiros ignorantes mas também por uma sociedade que vive com um pé no futuro e o corpo no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices. Discutimos muito sobre as mudanças estruturais pelas quais o país tem que passar, citando saúde, educação, transporte, segurança, mas esquecemos dos problemas ligados aos grupos que sofrem com o desrespeito aos seus direitos fundamentais. Que não conhecem classe social, cor ou idade. Como as mulheres que são maioria – e minoria.

Mas alguém pode reclamar: Pô, japa, mas é Dia do Homem ou Dia da Mulher? Considerando que o causador de determinado problema também pode ser parte da solução, eu é que pergunto: faz diferença?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.