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Leonardo Sakamoto

Na dúvida, jogue nas costas do trabalhador

Leonardo Sakamoto

08/08/2011 19h42

Em momentos de crise, discute-se como reduzir os direitos trabalhistas para evitar diminuição de crescimento. Em momentos de pujança, discute-se como reduzir os direitos trabalhistas para crescer mais rápido e garantir competitividade em um mercado global. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Em outras palavras, há um recado tocando em uma vitrola velha, sem parar, dizendo "se você nasceu trabalhador, nunca vai chegar a sua hora. Há!".

Um usineiro disse um dia que, diante de crise, eram necessárias soluções inovadoras e em consonância com a qualidade de vida da população. Por isso, estava mecanizando toda a sua lavoura de cana. Cana é uma cultura cujo trabalho é ruim por natureza, ou seja, temos que pensar como garantir alternativas de vida para as centenas milhares de cortadores rapidamente. Não por causa da mecanização, mas pela garantia da dignidade desse pessoal. Mas o usineiro em questão não disse que passou décadas pagando mal e explorando gente para juntar o que hoje ele gastou com as colheitadeiras. Em uma sociedade justa, parte desses recursos seriam destinados e, na impossibilidade de entregar aos próprios trabalhadores, seriam entregues a um fundo público para aplicação nas cidades de origem desses cortadores. Em uma sociedade justa.

Agricultura não resiste em nenhum lugar do mundo sem alguma forma de subsídio. Chiem à vontade contra a Europa e os EUA, nós fazemos a mesma coisa. E, portanto, não estou dizendo que eles não devam existir. O problema da ajuda estatal é que ela deveria privilegiar a pequena agricultura, que gera mais empregos e coloca comida na mesa do brasileiro em detrimento à empresarial – mais isso é outra discussão. Nem bem uma crise no exterior começa bater à porta e surgem diretores de associações rurais e parlamentares reclamando por mais recursos a juros nanicos, empréstimos que muitas vezes serão perdoados ou rolados a perder de vista. E continuamos na velha toada: quando nuvens escuras chegam no horizonte, o prejuízo é socializado. Até por que, sabemos todos, que quando a situação melhora, o pessoal pensa no coletivo e socializa os lucros também.

Investimento em obras públicas gera emprego e tem uma função importante em momentos de turbulência para impedir que a economia vá para o freezer. Mas não posso deixar de lançar um confete ao ar pelo fato de alguns empreendimentos, que são levados a toque de caixa, passando por cima de discussões sobre impactos sociais e ambientais, entram pelo cano em momentos de crise global, seja por contingenciamento de recursos, seja por incapacidade das empreiteiras que ganharam a obra de tocá-la adiante. Conheço uma série de comunidades indígenas e ribeirinhas que fariam três dias e três noites de festa se a obras da Hidrelétrica de Belo Monte fossem congeladas. Existem formas melhores – e mais sustentáveis – de promover o desenvolvimento. O problema é que os que sempre ganham não ganhariam tanto.

Quantos postos de trabalho que são fechados durante uma crise econômica dizem respeito diretamente à crise econômica? E quantos vão embora de carona para o velho e conhecido ajuste de produtividade? Reestruturação que, em alguns casos, já estava pensada há tempos, esperando o momento. Tocaia… Como diria o Velho Rosa, viver é muito perigoso.

Por fim, os governos norte-americano e brasileiro poderiam acrescentar nas obrigações que são impostas às grandes montadoras americanas a não-agressão ao meio ambiente e aos direitos humanos para a manutenção do apoio econômico. O Tio Sam possui um programa de combate ao tráfico de seres humanos que divulga anualmente um relatório analisando a situação desse problema no mundo, fazendo recomendações e pressionando governos. Mas não faz menção às subsidiárias de suas companhias, instaladas para além de suas fronteiras, que possuem em suas cadeias produtivas situações como trabalho escravo. Por aqui, as montadoras não se mexem muito para mudar o quadro, não. Como o governo brasileiro gosta de dar dinheiro à indústria automobilística sem contrapartidas sociais e ambientais, beleza, belezinha, fica tudo como tá. E como o produto permanece aqui dentro mesmo, ninguém ousa criar barreiras ao lucro enviado para a matriz. Afinal de contas, isso é pior que pecado.

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.