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Leonardo Sakamoto

Auditorias feitas pela Zara mostram que empresa fala mais do que faz

Leonardo Sakamoto

22/08/2011 18h35

Para garantir produtos com qualidade técnica e sócio-ambiental aos seus clientes uma empresa tem que saber o que acontece em sua cadeia produtiva. A justificativa do "eu não sabia o que os outros faziam sob as minhas ordens" pode colar na política, mas em se tratando de economia, a história é diferente. Quando terceiriza a atividade para a qual foi constituída, como uma confecção que manda outros fazerem as suas roupas, a responsabilidade trabalhista pela cadeia de fornecedores continua a ser dela. Por isso, é fundamental contar com auditorias própria ou contratada que sejam eficientes.

Desde que denúncias envolvendo grandes magazines de roupas vieram a público em meados da década passada (quem achou que isso era novidade está enganado), algumas empresas passaram a monitorar com mais cuidado seus fornecedores. Uns com mais, outros com menos afinco, a bem da verdade. O problema é que a presença de uma empresa de auditoria pode significar um processo de controle bem feito ou coisa para inglês ver, ou melhor, espanhol ver.

Bianca Pyl e Maurício Hashizume, aqui da Repórter Brasil, avaliaram a situação da auditorias da Zara, envolvida em um caso de trabalho escravo na semana passada. Seguem trechos da reportagem:

Nenhum fabricante da Zara no Brasil foi reavaliado em 2010 pelo sistema de auditorias de monitoramento mantido pela transnacional Inditex, que controla a marca de roupas e acessórios. Entre as 1.087 auditorias promovidas no ano passado, apenas nove checagens iniciais (e não de acompanhamento) foram realizadas no país.

As informações constam do próprio relatório anual da Inditex, disponível na internet. Em resposta aos questionamentos da Repórter Brasil acerca dos sucessivos flagrantes de exploração de trabalho escravo em oficinas de costura que produziam blusas, vestidos e calças da marca, a empresa classificou os casos encontrados como episódios isolados de "terceirizações não autorizadas".

"Nunca havia sido identificado um caso similar. A cadeia de produção da Inditex no Brasil representa um conjunto de mais de sete mil trabalhadores que desenvolvem suas atividades em empresas que cumprem tanto a legislação brasileira quanto o código de conduta [criado em 2001 e atualizado em 2007]", justificou a companhia de origem espanhola, que confirmou manter relações com pelo menos cerca de 50 fornecedoras que produzem para a marca Zara no país. Mais de 1,33 mil fornecedores da Inditex do mundo todo são obrigados a aderir ao código de conduta do grupo de origem espanhola.

"A contratação de auditores independentes – companhias especializadas, reconhecidas mundialmente pela qualidade do seu trabalho – garante a objetividade e transparência do sistema de controle, que inclui auditorias anuais, as quais cobrem todos os aspectos incluídos no código de conduta e, obviamente, os relativos aos direitos humanos e laborais", adicionou a empresa com relação ao programa "Tested to Wear" (Testado para Vestir).

Uma diretora da marca espanhola no Brasil declarou ao programa "A Liga", da TV Bandeirantes (que acompanhou a fiscalização trabalhista em questão juntamente com a Repórter Brasil), que o fabricante intermediário envolvido no mais recente caso de escravidão (AHA Ind. Com. Roupas Ltda., que também utiliza a razão social SIG Ind. Com. Roupas Ltda.) "trabalha conosco há muito tempo". De acordo com ela, os fornecedores, em geral, "são totalmente auditados" e o grupo detém controle da produção dos terceirizados por meio de "cerca de 300 auditores que trabalham mundo afora".

O relatório de 2010 mostra que a empresa contratou os serviços de apenas seis pessoas de outra empresa (ITS) para aferir o cumprimento do código de conduta no decorrer do ano. A reportagem não conseguiu contato com representantes da ITS para confirmar quais foram os serviços prestados à dona da Zara até hoje.

Em outra seção do mesmo relatório, a Inditex nomeia a Intertek como responsável pelas nove auditorias iniciais concluídas em 2010. À Repórter Brasil, a consultoria comunicou que "face aos acordos de confidencialidade que o grupo Intertek mantém a nível global, não nos é permitido informar, sem as devidas autorizações, para quais empresas trabalhamos".

Também consultada, a SGS (que também prestava serviços às lojas da rede Pernambucanas quando houve outro flagrante no magazine varejista) declarou que "estabeleceu recentemente um contrato internacional, por meio de sua filial na Espanha, cujo escopo de atuação inclui auditorias em fornecedores da Inditex no Brasil, com o objetivo de verificar aderência da cadeia de fornecimento do grupo com o seu respectivo código de conduta".

"Em 2010, não realizamos auditoria para o grupo Inditex no Brasil", assegurou a SGS à reportagem. Com relação a 2011, a consultoria se manifestou dizendo que não tem como precisar a quantidade de auditorias realizadas por não ser a única prestadora de serviços desta natureza ao grupo. "Em função de acordo e cláusulas contratuais firmados entre as partes, todas as informações referentes às auditorias realizadas para o Grupo Inditex devem ser obtidos diretamente com o representante legal da organização [contratante]".

No posicionamento inicial encaminhado à Repórter Brasil, a Inditex afirmou primeiramente que "a base fixa de fornecedores atende a níveis de qualidade tanto no que se refere a seus produtos, quanto às condições em que são fabricados, como revela nosso sistema de auditoria regular" e que 75% dos fornecedores obtêm as qualificações máximas. Chamada a oferecer mais detalhes do funcionamento do sistema de auditorias e da partilha de responsabilidades entre empregados do próprio grupo (apenas 15 contratados diretamente) e das terceirizadas (244 pessoas, a maioria absoluta focada no monitoramento nas nações asiáticas) dentro do "sistema de auditoria regular" em questão, a controladora da Zara se limitou a responder que não tinha mais nada a acrescentar sobre a questão.

Em outra seção do seu relatório anual, a companhia confirmou ainda que nenhum profissional de consultorias especializadas foi contratado para acompanhar a área de Saúde e Segurança do Trabalho (SST) ao longo de 2010 no Brasil. Na Turquia, por exemplo, 80 pessoas foram recrutadas para se dedicar a esse mesmo fim durante o referido período.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.