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Leonardo Sakamoto

MPT quer indenização de R$ 5 mi de construtoras de Jirau

Leonardo Sakamoto

23/08/2011 19h56

O Ministério Público do Trabalho de Rondônia está requerendo, através de uma ação civil pública, uma indenização no valor de R$ 4.903.800,00 das empresas Camargo Corrêa e Energia Sustentável do Brasil, responsáveis pela construção da Usina de Jirau, no rio Madeira. O motivo: prática de condutas ilícitas e danosas.

De acordo com o MPT, os relatórios e autos de infração elaborados pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego constatam irregularidades no canteiro de obras da usina, com destaque para a jornada excessiva de trabalho. Não haveria um sistema de registro para controle dos horários de entrada, saída e repouso dos funcionários. Além disso, alguns trabalhadores gastam quase uma hora e meia para se locomover dos alojamentos, já dentro do canteiro de obras, até seus postos e retornar – tempo que não é contado como hora trabalhada.

Foi constatado que eletricistas da obra tiveram apenas um dia de descanso durante um mês inteiro de trabalho.

Para os trabalhadores que moram em Porto Velho e tem seu transporte sob responsabilidade das empresas, o tempo médio de viagem chega a três horas fora do canteiro. De acordo com o MPT, a conduta das empresas construtoras de Jirau se constitui em flagrante violação à dignidade dos trabalhadores que desenvolvem suas atividades no canteiro de obras da usina. A ação solicita também a tutela antecipada a fim de que as responsáveis cumpram suas obrigações desde já.

A destruição de parte do canteiro de obras de Jirau, em março deste ano, causada por protestos de trabalhadores alcançou o noticiário internacional. O quiprocó teria começado com uma briga entre operários e motoristas da obra, a maior em curso no país. Mas pavio aceso só explode se tiver pólvora por trás. E esta seriam as condições a que estariam submetidos os trabalhadores, o que inclui reclamações por falta de tratamento decente aos doentes, pagamento de hora extra e o não cumprimento das promessas dos recrutadores que trouxeram mão-de-obra para a usina.

Exagero? Não é o que aponta a ficha corrida da obra. Uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, no ano passado, produziu 330 autos de infração e a interditou equipamentos que estavam colocando em risco os trabalhadores da obra.

Na época, conversei com jornalistas que foram cobrir o caso. Quase todos foram com uma pauta sobre vandalismo, mas voltaram com um número maior de matérias tratando de graves problemas trabalhistas e de sério desrespeito aos direitos fundamentais. Não estou querendo justificar a destruição da farmácia que atendia os trabalhadores. Mas é impossível entender todo o contexto se não for explicado que a dita atuava praticamente em um esquema de "barracão", fazendo com que trabalhadores contraíssem dívidas ilegais.
Denúncias de maus tratos, condições degradantes, violência física. Coisas que acionistas de grandes empresas não gostam de ver exposto por aí e, por isso, são repetidas vezes negadas pelos serviços de relações públicas ao longo de anos.

E olha que não estou nem recorrendo à minha cantilena e falando do caso de trabalho escravo em Jirau em 2009, quando 38 pessoas aliciadas no Maranhão foram resgatados enquanto trabalhavam para a Construtora BS, que prestava serviço ao consórcio responsável pela construção da usina. Mas sim de um processo estrutural causado pela pressa em terminar e gerar energia, pelos cortes de gastos e pela necessidade de manter a lucratividade do empreendimento. Tudo com o apoio de dinheiro público, ou seja, eu, tu, nós, através do BNDES sempre presente.

O que aconteceu em Jirau tem um mérito: escancarou a caixa preta das grandes obras ligadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), trazendo à tona o que vem sendo alardeado há tempos por movimentos sociais e organizações da sociedade civil: que esses canteiros se tornaram máquinas de moer gente – noves fora os impactos ambientais e nas populações locais.

E tem mais um probleminha aí no meio: a terceirização tresloucada para fugir dos custos trabalhistas que faz com que surjam trabalhadores de segunda, terceira e quarta categorias. A Zara que o diga.

Depois do quebra-quebra, os responsáveis pelas obras e o governo federal falaram na adoção de patamares mínimos, na criação de pactos… O mais engraçado é que esses patamares já existem e se chamam legislação trabalhista – que são as regras do pacto-contrato de venda de força do trabalho. É só seguir o que está lá, sem tirar nem por. Mas, aí, a obra ficaria cara e inviável, não é mesmo?

O fato é que a construção civil, setor que gera milhões de empregos diretos e indiretos, continua sendo palco de casos como esse e de histórias de exploração da dignidade do trabalhador. Com PAC, Copa, Olimpíadas, então, ninguém segura esse país! Que, desde a ditadura, "vai pra frente" – passando por cima.

No ano passado, o Planalto reclamou do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido. Essa opinião vai mudar? Difícil saber. Afinal de contas, como já disse aqui, essa gente bronzeada mostra mais seu valor com os olhos embotados de cimento e lágrima.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.