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Leonardo Sakamoto

Desejo que você trabalhe menos e ganhe o mesmo

Leonardo Sakamoto

07/10/2011 19h30

Entende-se por trabalho decente um trabalho produtivo, adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna a todos que dependem dele para viver, de acordo com a definição da Organização Internacional do Trabalho. Em outras palavras, o trabalho que garanta o básico.

Celebra-se, nesta sexta, o Dia Mundial do Trabalho Decente. E eu, como jornalista, tenho que confessar, novamente, que adoro efemérides. Facilitam a nossa vida. Através de listas na internet que servem de pauta para um sem-fim de ocasiões, também ficamos sabendo que é o aniversário da agradável Pirenópolis (GO), da simpática Varginha (MG) e da formosa Rachel McAdams.

Nesta data, desejo que você trabalhe menos. Bem menos. Que não caia na conserva fiada de comerciais de TV que mostram pais e mães sorridentes porque agora podem trabalhar de casa devido à tecnologia, como se aquilo não gerasse – muitas vezes – tempo de serviço não computado e não remunerado. Como se o saudável e necessário momento do descanso físico e intelectual se fizesse obsoleto, de repente, com o advento do e-mail e do wi-fi. Todos estão conectados o tempo todo e, com isso, podem ser acionados a qualquer momento. E produzir a qualquer instante. Sem, necessariamente, com mais felicidade.

(Aliás, é engraçado como o serviço associado ao espaço da casa não é, muitas vezes, visto como trabalho e sim como prazer ou obrigação privada. Isso tem o mesmo DNA do preconceito contra o serviço doméstico, considerado subtrabalho pela sociedade brasileira, que garante às empregadas ou às donas de casa menos direitos que as outras categorias.)

Sou do tipo que está online quase o tempo todo e detesto quando alguém me diz "desconecta" ou "sai da internet". Não entendem que não dá! Eu estou aqui e estou lá também, sou o mesmo, mas tenho relações digitais e reais, que se intercruzam e se sobrepõem. Tentei explicar isso para um amigo bem mais velho e ele não entendeu. Mas o neto dele sim… Por isso, não estou dizendo para todos desligarem seus aparelhos por uma hora e protestar. E sim, para se desligarem do trabalho, mesmo que o trabalho não queira se desligar de você.

Adoraria defender o saudável direito ao ócio criativo, quase como uma espécie de autocrítica deste workaholic que trabalha 24 por 7. Mas estaria indo muito longe. Prefiro algo mais palpável, como a redução da jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas.

A última redução ocorreu há exatos 23 anos, na Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas semanais. Aos catastrofistas de plantão: saibam que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado, seria muito maior: mais tempo com a família, mais tempo para o lazer e o descanso, mais tempo para formação pessoal. A PEC 231/1995, que propõe essa mudança, também aumenta de 50% para 75% o valor a ser acrescido na remuneração das horas extras. Ou seja, tem que trabalhar mais? Que se pague bem por isso. De casa ou do escritório.

Outros vão dizer: mas boa parte das empresas já opera com o chamado oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas não todas. Principalmente em atividades rurais.

Com o progresso tecnológico, uma quantidade sempre crescente de meios de produção pode ser acionada por uma quantidade relativa cada vez menor de força de trabalho. Como consequência, um número maior de mercadorias pode ser produzida com uma quantidade menor de horas de trabalho. Em muitos países, a redução da quantidade de horas trabalhadas com a manutenção do salário é uma tendência. Mas por aqui ainda assusta muita gente.

Na crise de 2008, os balanços econômicos de muitas grandes empresas mostravam que não havia necessidade de se aplicar um remédio tão amargo quanto a redução de jornada com redução de salário, uma vez que várias delas havia ganhado muito nos anos anteriores. Mesmo assim, tentaram mostrar a necessidade desse amargor. Algumas queriam simplesmente embolsar a diferença do ganho de produtividade. E que se danasse o trabalhador.

É difícil celebrar trabalho decente quando não se tem tempo para isso. Muito menos dinheiro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.