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Leonardo Sakamoto

Bancos recebem notificação sobre financiamento de Belo Monte

Leonardo Sakamoto

07/11/2011 12h16

Uma notificação extrajudicial assinada por mais de 150 entidades da sociedade civil foi enviada para 11 bancos públicos e privados que podem vir a participar, direta ou indiretamente, do financiamento da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

De acordo com fontes nos bancos ouvidas por este blog, o governo federal tem pressionado vigorosamente as grandes instituições financeiras privadas a participarem da obra.

O documento foi endereçado para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia (Basa), Bradesco, Itaú Unibanco, HSBC, Santander, Banco Votorantim, Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e BES Investimento do Brasil. Entre os signatários da notificação, estão o Instituto Socioambiental (ISA), a Prelazia do Xingu, a Justiça Global, o Movimento dos Atingidos por Barragens, a Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indigenista Missionário, entre outros.

Através do documento, as instituições serão alertadas sobre os elevados riscos financeiros, jurídicos e de reputação do empreendimento associados às violações de direitos indígenas e outras irregularidades no processo de licenciamento ambiental da usina – além de incertezas sobre os custos de construção e ineficiência energética do projeto.
De acordo com o documento, os bancos poderão ser considerados legalmente co-responsáveis pelos danos ambientais do projeto, além de ressaltar a incompatibilidade de Belo Monte com as responsabilidades legais e demais diretrizes de responsabilidade socioambiental assumidas pelas instituições financeiras, como o Protocolo Verde e os Princípios de Equador.

Além dos problemas econômicos e jurídicos, a notificação sublinha os riscos à imagem das empresas, visto a crescente oposição, em âmbito nacional e internacional, contra a usina e os altos impactos ambientais e sobre as populações indígenas e ribeirinhas.

Na madrugada do dia 27 de outubro, cerca de 400 indígenas, camponeses, ribeirinhos e ativistas ocuparam o canteiro de Belo Monte e bloquearam a rodovia Transamazônica. Além de violações aos direitos humanos, eles protestaram contra os impactos na cidade, que não foi preparada para receber o fluxo migratório provocado pelo início das obras. O canteiro foi desocupado 15 horas depois.

Já há um precedente para essa ação junto aos bancos. O Ministério Público Federal no Pará ajuizou, em março deste ano, ações civis públicas contra o Banco do Brasil e o Banco da Amazônia por terem concedido financiamentos a fazendas com irregularidades ambientais e trabalhistas no Estado. Entre os pedidos dos procuradores estava o de fazer com que os bancos invertessem suas prioridades, deixando de emprestar dinheiro para produtores irregulares, implementando política de juros reduzida para produtores de municípios ambientalmente responsáveis e incentivando o licenciamento ambiental das propriedades.

O MPF apontou que pode fazer o mesmo com Belo Monte.

Também foi pedido a realização de auditorias internas nos bancos para checar o tamanho do desmatamento fomentado por esse financiamento a partir de julho de 2008. A regra do CMN determina aos bancos oficiais ou privados que só liberem financiamento para atividades agropecuárias no bioma Amazônia com apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), de Licença Ambiental e ausência de embargos por desmatamento ilegal. A pesquisa que embasou as ACPs relacionou empréstimos de R$ 8 milhões concedidos pelo Banco do Brasil e de mais de R$ 18 milhões pelo Basa. De acordo com o MPF, sua investigação, feita por amostragem, encontrou 55 empréstimos com diversas irregularidades ambientais e até casos de trabalho escravo.

As placas de financiamento de bancos e agências federais de fomento, expostas na porteira das fazendas, em frente a obras de hidrelétricas, no pátio de frigoríficos, provam que o Estado se faz presente na fronteira agrícola para uns, através de incentivos fiscais, isenção de impostos, taxas e subsídios e infra-estrutura, e que há uma política pública apoiando aquelas práticas. Enquanto isso, para outros, Estado só se manifesta, sobre rodas, para libertar trabalhadores, bloquear áreas de ocorrência de crimes ambientais ou desocupar rodovias tomadas por protestos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.