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Leonardo Sakamoto

Sob protestos, ônibus aumenta em cidades importantes

Leonardo Sakamoto

11/01/2012 12h34

Teresina, onde ocorrem protestos entre estudantes e a polícia militar por conta do aumento no preço das passagens de ônibus, não é o único local em que está mais caro usar o transporte público. Moradores de outras cidades importantes do país também estão passando pelo mesmo – e tendo que engolir até uma certa dose de ironia por parte dos governantes, como no Rio de Janeiro, em que o prefeito afirmou que o aumento do ônibus deve ser encarado tão normalmente quanto a virada do ano.

Pedi para o jornalista e especialista em transporte urbano, Daniel Santini, autor do blog Outras Vias, um texto sobre o assunto, que segue abaixo:

Como acontece todo ano, boa parte dos prefeitos brasileiros aproveitaram as férias escolares e o período de recesso, em que as cidades estão mais vazias, para anunciar aumentos nas tarifas do transporte público. Quando esse texto foi escrito, a última atualização da tabela da Associação Nacional de Transportes Públicos com os valores cobrados nos principais municípios do país era de outubro de 2011 e ainda não retratava os aumentos efetivados. Levantamento baseado em jornais regionais, porém, permite perceber mudanças em todo o país. Houve aumento em Campina Grande (PB), Catanduva (SP), João Pessoa (PB), Joinville (SC), Vitória (ES), Ribeirão Pires (SP), Teresina (PI) e Uberaba (MG). Fala-se em "reajuste" em São José do Rio Preto (SP) e Curitiba (PR). Na região metropolitana de São Paulo, Taboão da Serra e Guarulhos o preço da passagem chegou a R$ 3, o mesmo que vem sendo cobrado no município de São Paulo desde 5 de janeiro de 2011. São Paulo, aliás, passou o ano passado inteiro com a cidade com a tarifa de ônibus mais cara do Brasil. No município do Rio de Janeiro, a tarifa passou de R$ 2,50 para R$ 2,75 e o prefeito Eduardo Paes (PMDB) anunciou aumentos futuros todo ano, defendendo que eles devem ser encarados como algo tão natural quanto o reveillon, mesmo com reclamações dos moradores.

Houve protestos e reclamações em praticamente todas as cidades, conforme é possível ler nos relatos acima, mas, em pelo menos duas delas, Teresina (PI) e Vitória (ES), a mobilização foi tão intensa que o custo político e o desgaste público podem fazer com que as autoridades revejam os aumentos – ou pensem bastante antes de propor novas mudanças. Na capital do Piauí, há mais de uma semana as principais avenidas da cidade têm sido fechadas por protestos. Na tentativa de controlar a indignação, a Polícia Militar tentou de todas as formas dispersar os manifestantes, sem sucesso. Mesmo com o uso de balas de borracha, bombas de gás, spray de pimenta e a Tropa de Choque, a situação saiu de controle. Em meio à repressão, manifestantes chegaram a incendiar ônibus. Na confusão, jornalistas relatam que têm tido o trabalho censurado e o fotógrafo Cícero Portela, de O Dia, conta que teve um cartão de memória levado por policiais após retratar imagens da repressão. Em Vitória também houve confusão e um ônibus foi incendiado.

Contexto
As redes sociais (#contraoaumento) ajudaram na troca de informações e na mobilização; mesmo com as cidades mais vazias os manifestantes, muitos deles estudantes, conseguiram organizar mobilizações e pressionar o poder público. A dimensão da revolta e o sucesso da mobilização contra o aumento não se limitam a troca de mensagens pela internet; ela tem um contexto e pode ser mais bem compreendida com base em dados de pesquisas divulgadas em 2011, que indicam uma desigualdade que se agrava ano após ano.

Nos centros urbanos, quem opta por (ou pode) andar de carro é uma minoria (leia o estudo da Confederação Nacional das Indústrias e o do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Apesar de congestionarem as ruas, poluírem o ar e causarem considerável impacto ambiental no meio urbano, são os motoristas que costumam ser mais beneficiados pelas políticas municipais e estaduais de transportes. As prefeituras e governos seguem priorizando investimentos na melhoria da infraestrutura para a minoria que utiliza transporte privado individual, seja apostando na construção de novos túneis e viadutos, seja investindo na ampliação de avenidas que já existem (aumentando a impermeabilização das cidades e agravando o problema das enchentes, registre-se), enquanto a maior parte da população utiliza outras meios para se locomover e sofre cada vez mais com isso. A falta de investimentos no transporte público resulta não só na precarização das linhas, como também, no aumento do custo para os usuários. É neste contexto em que os protestos acontecem. No Piauí, além do aumento, houve ainda uma tentativa de integração mal planejada, que incendiou ainda mais a situação.

Não foi só no plano municipal, porém, que o ano começou mal. No plano federal, apesar de ser um avanço importante a promulgação da Lei 12.587, que institui as diretrizes da Política da Mobilidade Urbana, dois vetos de última hora diminuíram a chance de saírem novas políticas públicas de incentivos fiscais para redução do preço das tarifas, conforme destacado no site tarifazero.org. A presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a lei, mas barrou os artigos que previam essa possibilidade.

Para entender melhor o valor das tarifas no transporte, leia: Ex-secretário de transportes defende tarifa zero

Colaborou a jornalista Gisele Brito. 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.