Topo

Leonardo Sakamoto

Drogas matam. Mas matam quem?

Leonardo Sakamoto

15/01/2012 10h08

Não é exatamente a pobreza que gera a violência do tráfico. Este se beneficia de um ambiente em que a população foi esquecida pelo governo e pela sociedade, no qual os serviços públicos são precários, o acesso à Justiça é difícil e as forças de segurança agem muitas vezes como aqueles a quem deveriam combater. O tráfico, para ser violento, depende da desorganização local e da ausência de ações do poder público.

Faixa colocada no "Churrascão de Gente Diferenciada", neste sábado, na Cracolândia da Sala São Paulo

Drogas matam. Mas os óbitos por overdose ou em decorrência de crimes cometidos sob a influência de entorpecentes ilegais são a minoria dos casos. Registros policiais mostram que há mais homicídios relacionados ao consumo excessivo de álcool – que é uma droga permitida e vendida na TV – do que a qualquer outra. A forma como o tráfico se organizou é a principal razão dessa guerra, cujas baixas normalmente são homens, jovens, pobres, moradores de comunidades carentes, envolvidos direta ou indiretamente nesse contexto. Em outras palavras, na maioria das vezes, matam-se entre si.

Não é o consumo de drogas pelos envolvidos que leva a matar os rivais e sim uma questão muito mais racional: o comércio. No capitalismo, toda a expansão de mercado é conflituosa. Quando se abre uma loja em um bairro, os que lá já estavam estabelecidos podem se sentir prejudicados. Ainda mais quando os forasteiros trazem produtos melhores e a preços mais baixos. Se a concorrência é agressiva e chega a tal ponto que a convivência pacífica torna-se insustentável, pode-se apelar à Justiça, que decidirá quem tem razão na disputa. Mas o que fazer quando se vive em um sistema ilegal, condenado pela própria Justiça? A solução é ter o maior poder bélico possível para fazer valer o seu ponto de vista sobre os demais, sobre a polícia, sobre os moradores de determinada comunidade. É necessário controlar – por bem ou por mal – um território. Uma das garantias que o traficante pode dar é ter um território consolidado, seguro para estocar a mercadoria e vender à sua freguesia. Quanto mais território um grupo possui, mais pontos de venda terá.

Como já disse aqui antes, mais do que uma escolha pelo crime, o tráfico é uma escolha pelo emprego e pelo reconhecimento social. Um trabalho ilegal e de extremo risco, mas em que o dinheiro entra de forma rápida. Dessa forma, pode ajudar a família, melhorar de vida, dar vazão às suas aspirações de consumo – pois não são apenas os jovens de classe média que querem o tênis novo que saiu na TV. Ganhar respeito de um grupo, se impor contra a violência da polícia. E uma vez dentro desse sistema, terá que agir sob suas normas. Matando e morrendo, em uma batalha em que, para cada baixa, fica uma família. 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.