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Leonardo Sakamoto

Carícias de gays e héteros são iguais. Bizarro é o preconceito

Leonardo Sakamoto

09/02/2012 18h23

Tolerância é bom. Porém, legal mesmo não é apenas tolerar, mas acreditar que as diferenças tornam o mundo mais interessante e rico do que a monotonia monocromática da velha ditadura comportamental a que estamos subjugados pela religião, pela tradição, pelo preconceito.

Dizem que falta informação e, por isso, temos uma sociedade que pensa de forma tão tacanha. Que não temos contato com o "outro" e, portanto, continuamos a temê-lo. Mas e quando a informação sobre o outro não flui por medo dos atores públicos que deveriam tornar isso possível? É difícil ser vanguarda na defesa dos direitos humanos, eu sei. Mas o governo pode se esforçar um pouco mais.

Afinal de contas, que mensagem o poder público quer passar barrando a divulgação em massa de campanhas de saúde destinadas aos gays que não se escondam atrás de nossa vergonha heterossexual e mostrem a realidade como ela é? Dois gays ficando em uma balada é uma cena que não difere de um homem e uma mulher na mesma situação – ao contrário do que os autores de novelas querem passar, com aquelas cenas platônicas ridículas, quando envolvem duas pessoas do mesmo sexo, feitas para não ofender os membros da TFP na sala de jantar.

A campanha acima chegou a ser veiculada na internet pelo Ministério da Saúde, que a retirou, considerando sua exposição um "equívoco". O órgão afirmou que o vídeo deveria ser exibido apenas em locais fechados, para o seu público-alvo.

Mas aí é que está a questão: quem é de verdade o público-alvo? Pois um vídeo como esse, na prática, tem dois objetivos: um é prevenir doenças sexualmente transmissíveis e incentivar o uso de preservativos. Mas o outro, tão importante quanto, é de tornar comum uma cena que deveria ser encarada como comum por toda a sociedade. Nenhuma manifestação de afeto deveria ser taxada de anormal. Anormal é quem torce o nariz para ela.

Mostrar um beijo como esse não choca. O que choca é o medo de exibi-lo.

Esse interdito consciente diz muito sobre nós. Infelizmente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.