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Leonardo Sakamoto

E quando somos racistas e nem percebemos?

Leonardo Sakamoto

13/02/2012 17h59

O brasileiro não é racista.

Nem machista.

Muito menos homofóbico.

Ricos e pobres têm acesso iguais a direitos.

O shopping Higienópolis, em um dos bairros mais ricos de São Paulo, tornou-se palco de manifestação antirracismo neste sábado. Uma arquiteta ouvida pela Folha de S. Paulo (para assinantes) discordou do protesto: "Achei ridículo. Afinal de contas, esse negócio de racismo onde é que está?" Questionada a respeito da reclamação dos manifestantes sobre a pequena quantidade de negros no shopping, ela respondeu: "Você viu a quantidade de seguranças negros, de empregados?"

A sinceridade foi tão grande que ela nem se ligou que sua declaração foi como uma cobra comendo seu próprio rabo.

Só havia uma negra na minha sala de aula na graduação em jornalismo na USP.

O que faz sentido. Até porque, como todos sabemos, os negros representam 4% da população brasileira.

Mas isso não importa, porque não existe preconceito por cor de pele.

Ou como diria o genial Laerte:

Ignorar um machucado não faz ele desaparecer.

Confiar no mito da democracia racial brasileira, construído para servir a propósitos, é tão risível quanto ser adulto e esperar um mamífero entregador de chocolate (a.k.a. Coelho).

Encarar pessoas com níveis de direitos diferentes como iguais é manter em circulação coisas que a gente ouve por aí:

– Tinha que ser preto mesmo!…
– Amor, fecha rápido o vidro que tá vindo um escurinho mal encarado.
– Olha, meu filho não é preconceituoso, não. Ele tem amigos negros.
– Eu adoro o Brasil porque é um país onde não existe racismo como nos Estados Unidos. Aqui, brancos e negros vivem em harmonia. Todos com as mesmas oportunidades e desfrutando dos mesmos direitos. O que? Se eu deixaria minha filha casar-se com um negro? Claro! Se ela conhecesse um, poderia sem sombra de dúvida.
– Vê se me entende que eu vou explicar uma vez só. A política de cotas é perigosa e ruim para os próprios negros, pois passarão a se sentir discriminados na sociedade – fato que não ocorre hoje. Além disso, com as cotas, estará ameaçado o princípio de que todos são iguais perante a lei, o que temos conseguido cumprir, apesar das adversidades.

Mas o brasileiro não é homofóbico.

Nem machista.

Muito menos racista.

O blogueiro, um japonês safado e escurinho, é que é um idiota.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.